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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Rousseau: O Bom Selvagem.


Rousseau - Da Servidão a Liberdade.

Este filho de relojoeiro, pela sua condição social, não iria encontrar um caminho muito fácil pela frente, se quisesse ingressar no mundo das letras, dominado, na sua maioria, por pensadores como Voltaire, cuja linhagem era a de uma burguesia bem abastada, que frequentava os famosos “salões” da época e não dispensavam um certa proximidade da corte. Rousseau será sempre avesso aos salões e às cortes. Será um filosofo à margem dos grandes nomes de seu século, mas nem por isso estaria afastado das polemicas e chegou ate contribuir, a convite de Diderot, para a grande Enciclopédia, com artigos sobre música e economia politica.

Dentre os filósofos do chamado século das luzes, que preconizavam a difusão do saber como o meio mais eficaz para se pôr fim à superstição, à ignorância, ao império da opinião e do preconceito, e que acreditavam estar dando uma contribuição enorme para o progresso do espírito humano, Rousseau, certamente, ocupa um lugar não muito cômodo em relação a essas ideias. Seu ingresso na república das letras deu-se com a obtenção do prêmio concedido pela Academia de Dijon, que havia proposto o seguinte tema para dissertação: "O restabelecimento das ciências e das artes teria contribuído para aprimorar os costumes?" Ao responder negativamente a essa questão, Rousseau iria marear uma posição bem diferente do espírito da época. "Se nossas ciências são inúteis no objeto que se propõem, são ainda mais perigosas pelos efeitos que produzem." (Rousseau, J. J. Discours surr les sciences et les arts. Paris, Pléade, 1954. P. 18)Antes pois de defender o processo de difusão das luzes, impõe-se perguntar sobre que tipo de saber tem norteado a vida dos homens. 

A crítica às ciências e às artes, contudo, não significa uma recusa do que seria a verdadeira ciência. De certa maneira, se Rousseau não partilha com seus contemporâneos o ideal da difusão das luzes do saber, pode-se dizer que, ao invocar o ideal do sábio, sua exigência é ainda maior do que a deles, porque acompanhada de uma forte conotação moral. A ciência que se pratica muito mais por orgulho, pela busca da glória e da reputação do que por um verdadeiro amor ao saber, não passa de uma caricatura da ciência e sua difusão por divulgadores e compiladores, autores de segunda categoria, que só  contribuir para piorar muito mais as coisas.

Segundo Rousseau a verdadeira filosofia é a virtude, esta ciência sublime das almas simples, cujos princípios estão gravados em todos os corações. Para se conhecer suas leis basta voltar-se para si mesmo e ouvir a voz da consciência no silêncio das paixões. Uma vez porém que já quase não mais se encontram homens virtuosos, mas apenas alguns menos corrompidos do que outros, as ciências e as artes, embora tenham contribuído para a corrupção dos costumes, poderão, no entanto, desempenhar um papel importante na sociedade, o de impedir que a corrupção seja maior ainda. Não se trata, portanto, de acabar com as academias, as universidades, as bibliotecas, os espetáculos. As ciências e as artes podem muito bem distrair a maldade dos homens e impedi-los de cometer crimes hediondos.

Desse modo, conforme Rousseau nos diz no "Prefácio" de Narciso, não há nenhuma incompatibilidade em fazer a crítica radical das ciências e das artes e, ao mesmo tempo, escrever peças de teatro e livros sobre moral e política. Embora todas as ciências e as artes tenham feito mal à sociedade, é essencial hoje servir-se delas, como de um remédio para o mal que  causara. É pois nesse quadro que o autor se coloca, destoando bastante de seus contemporâneos, mas ao mesmo tempo marcando de maneira precisa o sentido mesmo de sua atividade como escritor.

O Pacto Social
Aqui vai as ideias apenas do Contrato social e do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, porque constituem uma unidade temática importante e porque os demais escritos de Rousseau, de certa maneira, aprofundam e explicitam as questões que já haviam sido abordadas nessas duas obras.

A chave para se entender a articulação entre essas duas obras está no primeiro parágrafo no capitulo 1, do livro 1, do Contrato: “O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se aprisionado. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como se deve esta transformação? Eu o ignoro: o que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão". Assim nos diz Rousseau.

A trajetória do homem, da sua condição de liberdade no estado de natureza, até o surgimento da propriedade, com todos os inconvenientes que dai surgiram, foi descrita no Discurso sobre a origem da desigualdade. Nesta obra, o objetivo de Rousseau é o de construir a história hipotética da humanidade, deixando de lado os fatos, procedimento semelhante ao que outros filósofos (como Locke e Hobbs) já haviam feito no século XVII.

                         Comecemos por afastar todos os fatos, pois eles não dizem respeito a questão. Não se devem considerar as pesquisas, em que se pode entrar neste assunto como verdades históricas, mas somente como raciocínios hipotéticos e condicionais, mais apropriados a esclarecer a natureza das coisas do que a mostrar a verdadeira origem e semelhantes àqueles que, todos os dias, fazem nossos físicos sobre a formação do mundo.

Ao declarar que ignora o processo de transformação do homem, da liberdade à servidão, nosso autor se refere aos fatos reais, que seriam bem difíceis de serem verificados, uma vez que os vestígios deixados pelos homens são insuficientes para que se tenha uma idéia precisa de toda a sua história. Esta, porém, pode ser construída hipoteticamente e demonstrada através de argumentos racionais. Qual seria pois a história hipotética da humanidade? Esta seria, precisamente, a que culmina com a legitimação da desigualdade, quando o rico apresenta a proposta do pacto, apresentando esse discurso. “Unamo-nos para defender os fracos da opressão, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence, instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a conformar-se, que não abram exceção para ninguém e que, submetendo igualmente a deveres mútuos o poderoso e o fraco, reparem de certo modo os caprichos da fortuna.” Em outras palavra, em lugar de voltar nossas forças contra nós mesmos, reunamo-nos num poder supremo que nos governe segundo sábias leis, que protejam e defendam todos os membros da associação, expulsem os inimigos comuns e nos mantenham em concórdia eterna. Este seria o pacto proposto pelos ricos aos pobres.

E Rousseau acrescenta logo em seguida:

Fora preciso muito menos do que o equivalente desse discurso para arrastar homens grosseiros, fáceis de seduzir, [ ... ] Todos correram ao encontro de seus grilhões, crendo assegurar sua liberdade [ ... ] Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fizeram de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, para proveito de alguns ambiciosos, sujeitaram doravante todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e a miséria.

É a partir do reconhecimento dessa situação que Rousseau inicia o Contrato social, afirmando que "o homem nasce livre e em toda parte encontra-se a ferros", devido a traição cometida pelos ricos, ao prometerem que com um Estado haveria igualdade, mas o que se deu foi justamente o contrario.  

Rousseau se pergunta como ocorreu a mudança da liberdade para a servidão e responde imediatamente que não sabe, mas que pode resolver o problema da sua legitimidade, é preciso entender que não é o caso de legitimar a servidão, pois isto ele denunciara no Discurso, na passagem que acabamos de citar. O que pretende estabelecer no Contrato social são as condições de possibilidade de um pacto legítimo, através do qual os homens, depois de terem perdido sua liberdade natural, ganhem, em troca, a liberdade civil. Tais condições serão desenvolvidas ao longo dos capítulos VI, VII e VIII do livro I do Contrato. No processo de legitimação do pacto social, o fundamental é a condição de igualdade das partes contratantes. As cláusulas do contrato, quando bem compreendidas, reduzem-se a uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda porque em primeiro lugar, cada um dando-se completamente, a condição é igual para todos e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa por tornar onerosa para os demais.  Em suma, Rousseau pretende com isso que faça um novo contrato, mas, um contrato legitimo. A situação é bem diferente daquela descrita no Discurso sobre a origem da desigualdade. Agora, ninguém sai prejudicado, porque o corpo soberano que surge após o contrato é o único a determinar o modo de funcionamento da máquina política, chegando até mesmo a ponto de poder determinar a forma de distribuição da propriedade, como uma de suas atribuições possíveis, já que a alienação da propriedade de cada parte contratante foi total e sem reservas. Desta vez, estariam dadas todas as condições para a realização da liberdade civil, pois o povo soberano, sendo ao mesmo tempo parte ativa e passiva, isto é, agente do processo de elaboração das leis e aquele que obedece a essas mesmas leis, tem todas as condições para se constituir enquanto um ser autônomo, agindo por si mesmo. Nestas condições haveria uma conjugação perfeita entre a liberdade e a obediência.

Obedecer à lei que se prescreve a si mesmo é um ato de liberdade. Fórmula que seria desenvolvida mais tarde por Kant. Um povo, portanto, só será livre quando tiver todas as condições de elaborar suas leis num clima de igualdade, de tal modo que a obediência a essas mesmas leis signifique, na verdade, uma submissão à deliberação de si mesmo e de cada cidadão, como partes do poder soberano. Isto é, uma submissão à vontade geral e não à vontade de um indivíduo em particular ou de um grupo de indivíduos.

A vontade e a representação
Para Rousseau, antes de mais nada, impõe-se definir o governo, o corpo administrativo do Estado, como funcionário do soberano, como um órgão limitado pelo poder do povo e não como um corpo autônomo ou então como o próprio poder máximo, confundindo-se neste caso com o soberano. Neste sentido, dentro do esquema de Rousseau, as formas clássicas de governo, a monarquia, a aristocracia e a democracia, teriam um papel secundário dentro do Estado e poderiam variar ou combinar-se de acordo com as características do país, tais como a extensão do território, os costumes do povo, suas tradições etc. Mesmo sob um regime monárquico, segundo Rousseau, o povo pode manter-se como soberano, desde que o monarca se caracterize como funcionário do povo. Desde que o governantes, não ultrapasse o legitimo poder, que no caso, seria o povo, de modo que o povo tem a obrigação de se mante em alerta quanto aos abusos.


Uma vontade não se representa. "No momento em que um povo se dá representantes, não é mais livre, não mais existe."  O exercício da vontade geral através de representantes significa uma sobreposição de vontades. Ninguém pode querer por um outro. Quando isto ocorre, a vontade de quem a delegou não mais existe ou não mais está sendo levada em consideração. Donde se segue que a soberania é inalienável. Mas Rousseau reconheceria a necessidade de representantes a nível de governo. E, se já era necessária uma grande vigilância em relação ao executivo, por sua tendência a agir contra a autoridade soberana, não se deve descuidar dos representantes, cuja tendência é a de agirem em nome de si mesmos e não em nome daqueles que representam. Para não se perpetuarem em suas funções, seria conveniente que fossem trocados com uma certa freqüência.


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