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quinta-feira, 26 de julho de 2012

Tocqueville: Sobre a liberdade e a igualdade.


Ponderado: um pouco de cada. 
    
Falar de Tocqueville é falar da questão da liberdade e da igualdade e suas problemáticas, e por isso, segundo suas ideias, é necessário falar de democracia. Sem dúvida, os temas abordado por Tocqueville são temas herdado do jusnaturalismo e do contratualismo. Entretanto, a críticas constantes realizada por pensadores no século XIX, ao jusnaturalismo e contratualismo, leva-os a considerar tais temas como simples abstrações generalizantes. Tocqueville não escapa a essa moda de criticar, pois é dessa forma (como sendo abstrações generalizantes) que ele vai se referir às idéias de Rousseau e da filosofia política do século XVIII. Mas em Tocqueville o tema persiste, aliás, é para ele o ponto central do que poderia ser uma nova ciência política. Também é através da discussão da questão da liberdade e da igualdade que vai procurar explicar o desenvolvimento sociopolítico das várias realidades por ele estudadas.

Tocqueville trabalha com a especificidade de realidades politicas diferentes de sua época. Considerando tanto a história política e social de cada uma quanto as várias contradições do presente, tentando por vezes até realizar prognósticos para o futuro sobre as mesmas. Seria interessante lembrar aqui uma de suas previsões mais citadas no mundo contemporâneo: 

                             Há hoje no mundo dois grandes povos que, tendo partido de pontos diferentes, parecem avançar para o mesmo fim: esses são os russos e os americanos... Seu ponto de partida é diferente, seus caminhos são diferentes; no entanto, cada um deles parece convocado, por um desígnio secreto da Providência, a deter nas mãos, um dia, os destinos da metade do mundo.

Democracia: um processo universal
Seus estudos dizem respeito a realidades concretas que abrangem desde a descrição de hábitos e costumes de um povo e sua organização social até a explicação de sua estrutura de dominação, de suas instituições políticas e das relações do Estado com a sociedade civil. A preocupação fundamental é claramente expressa através de interpretações sociopolíticas, quando busca encontrar a possível coexistência harmônica entre um processo de desenvolvimento igualitário e a manutenção da liberdade. Tocqueville enfrenta assim, agora porém no nível das realidades concretas, o desafio lançado pelos contratualistas clássicos, ao tratarem a questão da liberdade e da igualdade como categorias não contraditórias de um mesmo todo.

Sua questão central será sempre: o que fazer para que o desenvolvimento da igualdade irrefreável não seja inibidor da liberdade, podendo por isso vir a destruí-la? Assim, com o eventual desenvolvimento de suas ideias fica evidente que abordar, portanto, a questão da liberdade e da igualdade, em Tocqueville, é para ele, fundamental falar de democracia.
Em primeiro lugar porque Tocqueville identifica, igualdade com democracia, em segundo lugar porque ao não trabalhar apenas com indagações abstratas procura entender a questão da liberdade e da igualdade, onde, acredita, elas não foram contraditórias. Isto é, onde um processo de igualização crescente se dava ao mesmo tempo em que preservava a liberdade, melhor dizendo, onde a democracia se realizava com liberdade. Para ele, isso estava acontecendo nos Estados Unidos da América, por volta de 1830.

Entretanto, Tocqueville afirma também que não está querendo apenas descrever a democracia americana, mas pretende, ao pesquisar a vida sociopolítica nos Estados Unidos, obter um conhecimento tão amplo do fenômeno democrático de tal forma que possa chegar a construir um conceito definidor de democracia. Tenderíamos também a concordar com a tese de que estaria antecipando a metodologia de Max Weber, ao tentar construir um "tipo ideal" de democracia. A maneira pela qual retira da realidade pesquisada fatos que lhe parecem significativos para a compreensão do fenômeno democrático, o cuidado com que os relaciona, buscando aí encontrar a racionalidade que lhes é específica, permite que se veja no seu estudo mais do que a democracia, tal como ela ocorria nos Estados Unidos, ou que pudesse vir a ocorrer na França. Como declara em carta a John Stuart Mill:

"Partindo de noções que me forneciam as sociedades americana e francesa, eu quis pintar os traços gerais das sociedades democráticas, das quais não existe ainda nenhum modelo completo".

Ao elaborar esse conceito de democracia,(colocando de modo que a liberdade não se oponha a igualdade) Tocqueville acaba por apresentá-la como um processo de caráter universal, ou seja,  democracia não seria um fenômeno que apenas surgiu e se desenvolveu nos Estados Unidos. Embora as condições nesse país tenham sido excepcionais para o seu desenvolvimento, o processo democrático, que ele define como um constante aumento da igualdade de condições, diz respeito a toda a humanidade. Como tal, a democracia é vista como inevitável e mesmo providencial, pois ela seria a própria vontade divina, realizando-se na história da humanidade. Assim, ela, segundo suas próprias palavras:

"é universal, durável e todos os acontecimentos, como todos os homens, servem ao seu desenvolvimento. Querer parar a democracia pareceria então lutar contra Deus".

Esse é, portanto, o eixo fundamental para se entender o significado de democracia para Tocqueville: a existência de seu processo igualitário, como se fosse uma lei necessária para se compreender a história da humanidade.   

No entanto, apesar do seu conceito de democracia ter sido construído a partir principalmente da realidade sociopolítica americana e Tocqueville considerar que era nos Estados Unidos que o processo democrático apresentava-se mais desenvolvido, isto não quer dizer que neste país a democracia já esteja plenamente realizada ou que o processo igualitário se repetirá da mesma forma, vindo a cumprir as mesmas etapas em outros lugares. Pelo contrário, para ele, cada país, cada nação terá seu próprio desenvolvimento democrático. Porém, sem dúvida, todas caminharão para uma situação cada vez mais ampla de igualdade de condições. Nessa diversidade de caminhos que as nações podem percorrer para a realização da democracia, o fator mais importante para defini-los é a ação política do seu povo.

Os perigosos desvios da igualdade
Uma das críticas mais correntes ao pensamento de Tocqueville diz respeito ao fato de que a democracia americana dessa época não só apresentava grandes diferenças de nível econômico entre seus habitantes, mas também diferenças raciais e culturais. Em suas explicações sobre o que definia como igualdade de condições, fica bem claro que está excluída a possibilidade de se compreender como tal apenas a igualdade econômica. É, no entanto, na igualdade cultural e política que está assentada sua idéia de que, no desenvolvimento do processo democrático, um povo tornar-se-á cada vez mais homogêneo.

Nos Estados Unidos, aliás, o grande problema por ele apontado para que o processo democrático pudesse se cumprir plenamente, era a existência de escravos. Sobretudo porque, por serem de raça diferente, a cor iria, mesmo após a libertação, permanecer como um fator de diferenciação e preconceito.

Tocqueville  fala também em  fator gerador de igualdade, entendendo por isto todo e qualquer elemento cultural que permita aos indivíduos considerarem-se como iguais. Assim, por exemplo, a expressão de uma idéia, um princípio, ou uma crença de que os homens são iguais permite desencadear o processo igualitário e também garante seu desenvolvimento. Isso é igualmente válido para uma lei que declare que os homens são iguais, ou para qualquer fenômeno igualitário que se realize num nível mais concreto. Assim sendo, democracia para Tocqueville está sempre associada a um processo igualitário que não poderá ser sustado, desenvolvendo-se também diversamente em diferentes povos, conforme suas variações culturais. Porém, será sobretudo a açäo política desse povo que irá definir se essa democracia será liberal ou tirânica.

Essa questão da possibilidade da democracia vir a ser uma tirania é a principal preocupação de Tocqueville, aparecendo claramente expressa em todas as suas obras, sendo também constantemente manifestada em sua atividade política. Pois, para ele, o processo de igualização crescente pode envolver desvios perigosos, que levem à perda da liberdade. Para evitá-los, é preciso conhecê-los e apontá-los, o que deve ser feito estudando-se a democracia e tendo-se uma ação política constante em defesa da liberdade.

Tocqueville vê no desenvolvimento democrático dos povos dois grandes perigos possíveis de acontecer: o primeiro seria o aparecimento de uma sociedade de massa, permitindo que se realizasse uma Tirania da Maioria; o segundo seria o surgimento de um Estado autoritário-despótico. No primeiro caso, o seu temor é que a cultura igualitária de uma maioria destrua as possibilidades de manifestação de minorias ou mesmo de indivíduos diferenciados. O desenvolvimento, portanto, de uma sociedade onde hábitos, valores etc., fossem de tal forma definidos por uma maioria que quaisquer atividades ou manifestação de idéias que escapassem ao que a massa da população acreditasse ser a normalidade, seriam impedidas de se realizar. É o que ele define, da mesma forma que Edmund Burke, como Tirania da Maioria. Tocqueville está sobretudo preocupado com a possibilidade de que nas democracias, as artes, a filosofia e mesmo as ciências sem imediata aplicação prática não encontrem campo para se desenvolver.

Todavia, curiosamente, investe também contra o individualismo, que chama de pernicioso. Individualismo que, para ele, é criado e alimentado pelo desenvolvimento do industrialismo capitalista, onde o interesse mais alto é o lucro, a riqueza. Pregando francamente a favor de uma moralidade que se confunda com a política, Tocqueville procura demonstrar que os cidadãos, à medida que se dedicam cada vez mais aos seus afazeres enriquecedores, vão concomitantemente abandonando seu interesse pelas coisas públicas. Dessa forma, acabam por facilmente deixar-se conduzir. Isto é, terminam por possibilitar, nesse descaso pelas atividades políticas, o estabelecimento de um Estado que aos poucos tomará para si todas as atividades. Esse Estado começará por decidir sozinho sobre todo assunto público, mas aos poucos irá também intervir nas liberdades fundamentais. É assim que ele vê, no seio da democracia, surgir o germe de um Estado autoritário e mesmo tirânico ou despótico. Em suma Tocquevile não esta contra o individualismo em si, mas nos efeitos que esta ação acarretara, possivelmente culminando em um Estado despótico.  

Ação politica e instituições políticas
Contudo, apesar de esses perigos aparecerem como as piores ameaças para o desenvolvimento da democracia no mundo moderno, Tocqueville procura mostrar como eles podem ser evitados. Se, por um lado, a atividade política dos cidadãos, aliás a mais importante, pode impedir que tais fenômenos ocorram, por outro, a existência e a manutenção de certas instituições podem dificultar bastante o surgimento de um Estado autoritário e mesmo de uma sociedade massificada.

Sem dúvida, a fraqueza do exercício da cidadania permite que se aceite mais facilmente o desenvolvimento da centralização administrativa, o que normalmente leva à maior concentração de poder do Estado. Assim, se a cidadania que não se ocupa de coisas públicas se aliar a um crescente aumento do poder do Estado, chegar-se-á facilmente a um Estado despótico. Um Estado que comandará um povo massificado, apenas preocupado com suas pequenas atividades particulares de caráter enriquecedor para os mais abastados ou apenas de sobrevivência para os mais pobres.

Mas a existência de instituições que desenvolvam a descentralização administrativa ou que levem os cidadãos a se associarem para defender os seus direitos obriga de alguma forma a maior participação por parte dos nacionais. Igualmente a permanência de uma Constituição e de leis que possam garantir a manutenção das liberdades fundamentais ajuda a convivência do processo igualitário com a liberdade. Isto é, a democracia não precisa apenas ser igualitária, ela pode permitir aos homens serem livres. Pode-se mesmo, conforme Tocqueville, "imaginar um ponto extremo onde liberdade e igualdade se toquem e se confundam", pois é na própria democracia que encontramos a solução para os seus males. Ainda citando Tocqueville:

“É a própria igualdade que torna os homens independentes uns dos outros, que os faz contrair o hábito e o gosto de seguir apenas a sua vontade em suas ações particulares, e esta inteira independência de que gozam, em relação a seus iguais, os predispõe a considerar com descontentamento toda autoridade e lhes sugere logo a idéia e,o amor da liberdade política.”

Portanto, embora as instituições de caráter liberal possam ajudar a manutenção das liberdades fundamentais, é na ação política dos cidadãos que está posta a garantia de sua real existência na democracia.

Diferente da igualdade, que nada impede de ir se realizando na história da humanidade, a liberdade, para Tocqueville, é extremamente frágil e por isso mesmo precisa ser querida, protegida e é mesmo necessário lutar por ela para que não se venha perdê-la. Em nenhum momento pode-se abandonar a defesa da liberdade.

"Para viver livre é necessário habituar-se a uma existência plena de agitação, de movimento, de perigo; velar sem cessar e lançar a todo momento um olhar inquieto em torno de si: este é o preço da liberdade."

Esta visão da idéia de liberdade, apresentada por Tocqueville e sem dúvida inspirada na famosa frase de Thomas Jefferson: "O preço da liberdade é a eterna vigilância",  demonstra bem como a necessidade de uma prática política constante era condição primeira para que a liberdade fosse preservada.

Para Tocqueville, embora seja necessário que se anuncie a liberdade como um direito, que se a formalize ou institucionalize através de leis e instituições, essas medidas sozinhas não seriam suficientes para que se garantisse a liberdade. Isso porque o verdadeiro sustentáculo da liberdade está posto na ação política dos cidadãos e na sua participação nos negócios públicos. O que pode, evidentemente, ser incentivado através da implantação de instituições tais como a descentralização administrativa, a organização de associações políticas que tenham como finalidade a defesa da cidadania ou mesmo a existência de grandes partidos. Enfim, é sem dúvida de máxima importância que se possa criar e desenvolver organizações livres que garantam a manutenção do espaço da palavra e da ação.

O grande drama tocquevilliano é, portanto, buscar a solução sobre a questão da preservação da liberdade na igualdade. Pois, por um lado, o processo igualitário é inevitável e apresenta perigos constantes de ameaça à liberdade, por outro, a liberdade, mesmo a que já tenha sido conquistada, é frágil e a qualquer momento pode ser destruída. Considerando-se ainda que, para ele, a igualdade sem liberdade é insuportável, suas obras, tanto quanto suas atividades políticas, são uma luta constante para que a democracia, sobretudo a francesa, fosse construída preservando-se a liberdade.

Um manifesto liberal
Sua visão da política passa necessariamente pelo dilema democrático da harmonia da igualdade com a liberdade e por acreditar firmemente que a solução só se dá na medida em que os cidadãos têm de estar sempre alerta e ativos na defesa da liberdade.

Suas atividades políticas, desde que se elege como deputado pela primeira vez, em 1839, são extremamente coerentes com suas idéias. Como representante no Congresso, ou como constituinte em 1848, procura sempre defender posições que pudessem favorecer a liberdade dos cidadãos e a grandeza da nação francesa, que julga necessária para que essa liberdade possa ser garantida. Assim, defende o ensino livre, a liberdade de imprensa, a descentralização, a libertação dos escravos nas colônias etc.

Mas, a coerência de suas idéias e suas análises da realidade apontam-lhe como é preciso que a França mantenha a conquista da Argélia, necessária estrategicamente para sua grandeza e independência. Pois não se pode ser cidadão livre em país dominado ou muito fraco. Também, combate os vários socialismos que despontavam, por vê-los como difusores de idéias políticas onde a preocupação com o igualitarismo está presente, mas não a defesa da liberdade. Sobretudo, porque ele via nas posições socialistas uma defesa do aumento do poder do Estado. Portanto sua condenação do socialismo parte dessa visão de que, para os socialistas, um Estado intervencionista agigantado deveria ser o único responsável pela direção política da nação. Isso significa, para Tocqueville, a criação de um Estado despótico, no qual a liberdade dos cidadãos desaparecerá.

Sua esperança de que a França pudesse construir uma democracia com liberdade não o abandona, mesmo durante a Revoluçäo de 48. Como constituinte eleito, procura discutir todos os grandes temas que possam, no equilíbrio entre os poderes do Estado e os direitos da cidadania, privilegiar os primeiros somente quando os considera absolutamente necessários para a garantia das liberdades fundamentais. Assim é que defende a educação como obrigatória, e o Estado, neste caso, deverá garantir que assim possa ser. Mas o ensino deve ser livre, o Estado não deve intervir na maneira pela qual as diferentes escolas decidem sobre seus ensinamentos.

O único problema de Tocqueville é que nem todos os países culminarão em uma democracia perfeita e ideal, e nem as pessoas são iguais, nem economicamente e nem culturalmente, apesar de ter feito pesquisas empíricas para chegar a essa conclusão, seu trabalho como teoria, no final seque uma epistemologia propriamente metafisica. 

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