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segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Escola Austríaca de Economia – Menger; Bohm-Bawerk; Mises.

"A economia é ação humana ao longo do tempo, nos mercados, sob condições de incerteza genuina"

“Ao físico, pouco importa se alguém estigmatiza suas teorias como burguesas, ocidentais ou judias; da mesma maneira, o economista deveria ignorar a calúnia e a difamação. Deveria deixar os leigos assim rotularem e não prestar atenção ao que falam.

Por volta da segunda metade do século XiX, tornou-se claro que a “economia clássica”, que atingira seu ápice na Inglaterra, nas pessoas de David Ricardo e John stuart Mill, colaboraram lamentavelmente em meio a uma série de falhas fundamentais. A falha crucial fora a tentativa de analisar a economia com base em “classes” e não em ações de indivíduos; por isso, os economistas clássicos além de não conseguirem explicar corretamente as forças subjacentes que determinam os valores e os preços relativos dos bens e serviços, tampouco foram capazes de analisar as ações dos consumidores, determinantes decisivos das atividades dos produtores na economia. Voltados para “classes” de bens, nunca puderam resolver, por exemplo, o “paradoxo do valor”: o pão, apesar de ser extremamente útil, constituindo, mesmo, o “sustento da vida”, tem baixo valor no mercado, enquanto os diamantes, mero luxo, e, portanto, simples futilidade do ponto de vista da sobrevivência humana, são valorizadíssimos. Por que o pão, obviamente mais útil que os diamantes, é cotado no mercado a preço tão inferior ao destes?

Tendo desistido de explicar esse paradoxo, os economistas clássicos chegaram, infelizmente, a uma conclusão: como os valores eram fundamentalmente divididos, o pão, embora tivesse um “valor de uso” superior ao dos diamantes, tinha, por alguma razão, um menor “valor de troca”. Foi com base nessa divisão que gerações posteriores de autores denunciaram que a economia de mercado ensejava uma calamitosa canalização de recursos para a “produção para lucro”, em detrimento da “produção para uso”, muito mais benéfica.

Incapazes de analisar as ações dos consumidores, os economistas clássicos tampouco conseguiram explicar satisfatoriamente o que determinava os preços no mercado. Procurando, às cegas, uma solução, concluíram, lamentavelmente: (a) que o valor era algo inerente às mercadorias; (b) que o mesmo só podia ter sido conferido a esses bens pelos processos de produção; e (c) que sua fonte básica era o “custo” de produção, ou mesmo a quantidade de horas de trabalho nela despendidas. Observe que ainda assim essas premissas não concluía sastisfatoriamente porque o preço do pão era tão disparadamente menor em relação a um diamante. Foi essa análise ricardiana que, mais tarde, permitiu que Karl Marx concluísse com perfeita lógica que, se todo valor é produto da quantidade de horas de trabalho, então todo juro e todo lucro obtidos por capitalistas e empregadores se constituem, necessariamente, em “mais-valia”, injustamente extorquida dos ganhos a que faz jus a classe trabalhadora.

Tendo, assim, caucionado o marxismo, os ricardianos tentaram replicar que os bens de capital eram produtivos, sendo, por isso, razoável que auferissem sua cota na forma de lucros; os marxistas retrucaram, então, com razão, que o capital também é trabalho “embutido”, ou “incorporado”, e que, por conseguinte, nos salários deveria estar absorvido todo o rendimento da produção.

Assim, considerando classes em vez de indivíduos, os economistas clássicos não só tiveram de abandonar qualquer análise do consumo, perdendo-se na análise do valor e do preço, como também não conseguiram sequer aproximar-se de uma explicação sobre a determinação do preço dos fatores individuais de produção, quais sejam, unidades específicas de trabalho, terra ou bens de capital. Na segunda metade do século XiX, as deficiências e falácias da economia ricardiana tornaram-se cada vez mais patentes. a própria ciência econômica chegara a um beco sem saída.

Solução – Menger; Bohm-Bawerk.(Escola Austríaca)
A concepção e a solução de longe mais notáveis foram de Carl Menger, professor de economia na Universidade de Viena. Foi ele o fundador da “Escola austríaca”. Seu trabalho pioneiro alcançou plena realização na grande obra sistemática de seu brilhante aluno sucessor na Universidade de viena, Eugen von Böhm-Bawerk.

Foi a monumental obra de Böhm-Bawerk, elaborada em grande parte durante a década de 1880, que, culminando nos vários volumes do livro Capital and Interest, constituiu o produto maduro da Escola austríaca. Outros eminentes e criativos economistas contribuíram para essa mesma escola nas duas últimas décadas do século XiX, mas Böhm-Bawerk sobrepujou todos eles.

Os austríacos centravam indefectivelmente sua análise no indivíduo, no agente, na medida em que este faz escolhas no mundo real com base em suas preferências e valores. Tendo partido do indivíduo, puderam fundamentar sua análise da atividade econômica e da produção nos valores e desejos dos consumidores individuais. Cada consumidor agiria segundo sua própria escala de preferências e de valores. Esses valores interagiriam e se combinariam para formar as demandas do consumidor, que são a base e o guia da atividade produtiva.

Como a filosofia empirista legitima isso? seque se a seguinte pergunta; Como é que se forma a representação ou a conceituação das coisas? Conhecemos as coisas tão somente por aquilo que elas significam no plano da consciência, de maneira que o conhecimento se resolve sempre em uma explicação de ordem psicológica; Consiste em dizer que a realidade é cognoscível se e enquanto se projeta no plano da consciência, revelando-se como momento ou conteúdo de nossa vida interior. O que se conhece não são coisas, mas imagens de coisas. O homem não conhece as coisas, mas a representação que a nossa consciência forma em razão delas. Essa é a orientação do idealismo subjetivo, que apresenta seus maiores representantes na cultura britânica, desde Locke e Berkeley a David Hume. Dado isso entra se aqui a analise do valor. Valorar não é avaliar. Valorar é ver as coisas sob prisma de valor. Quando se compra um quadro, não se valora mas se avalia. Em tal caso, compara-se um objeto com outros. Valorar, ao contrário, pode ser a mera contemplação de algo, sem cotejos ou confrontos, em sua singularidade sob prisma de valor. O crítico de arte valora um quadro ou uma estátua, porque os compreende sob prisma valorativo, em seu "sentido" ou "significado". O negociante de arte "avalia" o quadro, depois de valorá-lo. Valorar e avaliar são, portanto, palavras de sentidos distintos, embora complementares. Vale Ressalta que o valor é uma condicionante estritamente subjetiva, conforme sua experiência se dar na mente no sentido de “ser é ser percebido” e conforme avalia-se essas mesma experiências “ser é ser pensado”. Assim conforme suas experiências são negativas ou positivas dado um determinado fato, então o valor atribuído a esse fato, se positivo será bom, se negativo, será ruim.  

Ao fundamentar sua análise no indivíduo que enfrenta o mundo real, os “austríacos” perceberam que a atividade produtiva se baseava em expectativas de satisfazer as demandas dos consumidores.

Por conseguinte, perceberam claramente que nenhuma atividade produtiva, fosse da mão-de-obra, fosse de quaisquer outros fatores produtivos, poderia conferir valor a bens ou serviços. O valor consistia em avaliações subjetivas de consumidores individuais. Em outras palavras: eu poderia gastar trinta anos de trabalho e de outros recursos na fabricação de um triciclo-gigante movido a vapor, contudo, se ao oferecer esse produto, eu não encontrasse consumidores dispostos a comprá-lo, teria que admitir que ele era economicamente desprovido de valor, apesar de todo esforço, aliás mal orientado, que empenhara na fabricação. O valor, assim, só poderia ser determinado pelas avaliações dos consumidores, e os preços relativos dos bens e serviços são determinados pela avaliação que os consumidores fazem destes produtos e pela intensidade de seu desejo de adquiri-los. Em suma, forma de como produzir é insigficante, logo o que vale é o desejo de comprar que dar valor a um produto, logo o que faz funcionar o capitalismo é o poder de comprar dos consumidores individuais.

Lei da utilidade marginal decrescente
Os “austríacos” mostraram que, quanto maior a quantidade ou quanto maior o número de unidades de um bem que uma pessoa possui, menor é o valor que esta pessoa atribui a cada unidade deste bem.Aqui então temos uma das variáveis mais relevantes em relação aos valores atribuído por cada homem. A exemplo; o homem que anda sedento pelo deserto atribuirá um valor ou “utilidade” extremamente elevado a um copo d'água, enquanto que, em viena ou em nova York, com água em abundância à sua volta, este mesmo homem atribuirá reduzidíssimo valor ou “utilidade” a esse copo d'água. No deserto, ele pagaria por este copo um preço muitíssimo mais alto do que o que pagaria em nova York. Em suma, o indivíduo em ação se depara com unidades específicas, ou “margens”, que a descoberta “austríaca” foi denominada “lei da utilidade marginal decrescente”.

Assim, o “pão” é tão mais barato que o “diamante” por uma simples razão: o número de pães disponíveis é imensamente superior ao de quilates de diamantes. Em consequência, o valor e o preço de cada pão serão muito inferiores ao valor e ao preço de cada quilate. Ao contrario dos que diziam os ricardianos, não há contradição entre “valor de uso” e “valor de troca”: em função da abundância de pães disponíveis, um pão é menos “útil” para o indivíduo que um quilate de diamante, em suma não importa, quanto ao valor de troca, somente o uso que uma pessoa fará de um determinado produto, mas sim a sua utilidade que esta estritamente relacionada com a quantidade de produtos disponíveis no mercado. Em resumo a utilidade marginal decrescente.

A mesma concentração nas ações dos indivíduos e, portanto, na “análise marginal” solucionou também o problema da “distribuição” da renda no mercado. Os “austríacos” demonstraram que cada unidade de um fator de produção, seja de diferentes tipos de trabalho, de terra, ou de bem de capital é cotada no mercado livre segundo sua “produtividade marginal”, em outras palavras, com base em sua contribuição efetiva do trabalhador para o valor do produto final comprado pelos consumidores. Quanto mais alta for a “oferta”, ou seja, a quantidade de unidades de um dado fator, menor tende a ser sua produtividade marginal e, consequentemente, seu preço; quanto mais baixa for a sua oferta, mais elevado tenderá a ser seu preço.

Assim, os “austríacos” mostraram que não havia nenhum conflito ou luta de classe arbitrária e irracional entre as diferentes classes de fatores; ao contrário, cada tipo de fator contribui harmoniosamente para o produto final, destinado a satisfazer os mais intensos desejos dos consumidores com a máxima eficiência (i.e., com o menor dispêndio de recursos). No tocante, quanto maior a oferta de trabalho a um determinado serviço, menor o preço oferecido por ela. No entanto a taxa de produtividade marginal vale para todos os fatores (fator) de produção quanto ao seu resultado produtivo; trabalho, terra, capital.

Cada unidade de cada fator ganha, então, seu produto marginal, sua própria contribuição para o resultado produtivo. De fato, se houvesse um conflito de interesses não seria entre tipos de fatores – terra, trabalho, capital –, já que os mesmo trabalham em conjunto, mas sim, seria entre fornecedores concorrentes do mesmo fator. Se, por exemplo, alguém descobrisse uma nova jazida de cobre, o aumento da oferta provocaria a queda do preço do metal; isto só poderia trazer proveito e maiores ganhos aos consumidores e aos fatores cooperantes do trabalho e do capital. Sairiam perdendo apenas os proprietários de minas já estabelecidos, que veriam a queda do preço de seu produto.

Cabe dizer aqui, também, que há uma concorrência entre os fatores do mesmo tipo; trabalho x trabalho, terra x terra,  capital x capital. Porque quanto mais tivemos de um, há um prejuízo, um desvalor ao seu próprio fator, essa talvez possa ser uma falha de mercado, o que futuramente poderá ocorrer que quanto mais trabalhadores menores será o preço oferecido pelos serviços deles. Obviamente que não pode ignorar aqui que há vários tipos de trabalhadores especializados, onde não afetam, necessariamente, a todos os trabalhadores mas somente a sua área especifica em relação a demanda.  

Assim, os “austríacos” mostraram que não há, no mercado livre, qualquer separação entre “produção” e “distribuição”. Mas sim que elas trabalham conjuntamente.  As avaliações e as demandas dos consumidores determinam os preços finais dos bens de consumo – os bens comprados pelos consumidores –, que, por sua vez, orientam a atividade produtiva e determinam sucessivamente os preços das unidades cooperantes de fatores: níveis individuais de salários, aluguéis e preços de bens de capital.

A “distribuição de renda” seria simples decorrência do preço de cada fator. Sendo esse apenas um fato, ou seja, se o “fator trabalho” estiver com uma demanda alta, logo a distribuição de renda será baixa individualmente.

Lucros
E quanto aos lucros e à questão do “trabalho incorporado”? Fundamentando-se, mais uma vez, na análise de indivíduo, Böhm-Bawerk verificou que, segundo uma lei básica da ação humana, todos querem realizar seus desejos, alcançar suas metas, tão rapidamente quanto possível. Por isso, todos preferirão ter bens e serviços de imediato a esperar algum tempo por eles. É em razão desse fato básico primordial da “preferência temporal” que os empresários não investem toda a sua renda em bens de capital, de modo a aumentar a quantidade de bens que será produzida no futuro. Estarão primeiramente interessadas em consumir bens no momento. Mas, cada pessoa, em diferentes condições e culturas, tem uma taxa diferente de preferência temporal, ou seja, de preferir ter os bens no momento a tê-los mais tarde. Quanto mais elevada for sua taxa de preferência temporal, maior, será a parte de sua renda que consumirá no momento; quanto mais baixa for esta taxa, mais economizará e investirá na produção futura. É exclusivamente o fato da preferência temporal que dá origem ao juro e ao lucro. Por sua vez, o grau e a intensidade das preferências temporais determinam os níveis das taxas de juros e de lucros.

Tomemos, por exemplo, a taxa de juros sobre um empréstimo. Os filósofos escolásticos da igreja católica, na idade Média e no início do período moderno, foram, a seu modo, excelentes economistas e analistas do mercado. no entanto, um ponto que jamais conseguiram explicar ou justificar foi a simples cobrança de juros por um empréstimo. Podiam compreender que se auferissem lucros por investimentos arriscados, mas tinham aprendido de Aristóteles que o dinheiro em si mesmo era estéril e improdutivo. assim sendo, como justificar o juro sobre um empréstimo, presumindo-se não haver risco de inadimplência? Incapazes de encontrar a resposta, a igreja e os escolásticos provocaram o descrédito dos homens do mundo ao condenar como “usura” pecaminosa todo juro sobre empréstimo.

Foi Böhm-Bawerk quem finalmente encontrou a resposta, justamente com o conceito de preferência temporal. Assim, quando um credor empresta 100 dólares a um devedor em troca do recebimento de 106 dólares dali a um ano, os dois não trocam as mesmas coisas. O credor dá 100 dólares ao devedor na forma de um “bem atual”, de dinheiro, que este pode usar a qualquer momento no presente. O devedor, por sua vez, dá em troca ao credor não dinheiro, mas uma nota promissória, uma promessa de dinheiro vindouro. Em suma, o credor dá ao devedor um “bem atual”, e recebe dele apenas um “bem futuro”, em dinheiro que só poderá utilizar após um ano de espera. Ora, em virtude do fato universal da preferência temporal, os bens atuais são mais valiosos que os bens futuros, e o credor terá de cobrar ao mesmo tempo que o devedor se disporá a pagar um prêmio pelo bem atual. Esse prêmio é a taxa de juros. seu valor dependerá das taxas de preferência temporal de todos os participantes do mercado.

Isto não é tudo: Böhm-Bawerk foi adiante, mostrando como é a preferência temporal que, da mesma forma, determina a taxa de lucro empresarial. Ou melhor, mostrou que a taxa “normal” de lucro empresarial é na verdade a taxa de juros. Isto porque, quando se emprega mão-de-obra e terra no processo de produção, surge um fator decisivo: ao contrário do que aconteceria na ausência de empregadores capitalistas, os trabalhadores e agricultores não precisam esperar por seu dinheiro até que o produto seja produzido e vendido aos consumidores. Se não houvesse empregadores capitalistas, eles teriam de mourejar por meses e anos sem paga, até que o produto final – o automóvel, o pão, a máquina de lavar – fosse vendido aos consumidores. Mas os capitalistas prestam o importante serviço de poupar antecipadamente parte de sua renda, remunerando trabalhadores e agricultores agora, enquanto trabalham. Prestam assim o serviço de esperar até que o produto final seja vendido aos consumidores para, então, receber seu dinheiro. É em função desse serviço vital que trabalhadores e agricultores estão mais do que dispostos a “pagar” aos capitalistas seu lucro ou juros. Em suma, os capitalistas encontram-se na posição de “credores” que poupam e desembolsam dinheiro atual e aguardam seu eventual retorno. Trabalhadores e agricultores são, num certo sentido, “devedores” cujos serviços só darão frutos no futuro, após determinado prazo. Também neste caso, a taxa normal do lucro empresarial será determinada pelo nível das várias taxas de preferência temporal.

Böhm-Bawerk formulou isto ainda de outra maneira: os bens de capital não são simplesmente “trabalho incorporado”; são também tempo (e terra) “incorporado”. E é no elemento decisivo do tempo e da preferência temporal que a explicação do lucro e do juro pode ser encontrada. além disso, ele fez avançar enormemente a análise econômica do capital, uma vez que, em oposição não só aos ricardianos mas à maioria dos economistas de nossos dias, percebeu que o “capital” não é simplesmente um bolo homogêneo, ou uma dada quantidade. O capital é uma estrutura, uma intricada rede, que possui uma dimensão temporal. O crescimento econômico e a maior produtividade, por sua vez, não resultam simplesmente de acréscimos à quantidade de capital, mas de acréscimos à sua estrutura temporal para a construção de “processos de produção cada vez mais longos”. Quanto mais baixas forem suas taxas de preferência temporal, mais as pessoas se disporão a sacrificar o consumo no momento para poupar e investir nesses processos mais demorados que proporcionarão, em alguma época do futuro, um retorno significativamente maior de bens de consumo[1].

[1] Como desconstruir tal premissa, onde a prestação de serviço deveria ser determinada, na verdade, sob a base de dignidade da pessoa humana, e não simplesmente em mera veda de trabalho a respeito de preferência temporal.  Segundo como legitimar, em suma, que a força coercitiva estatal, tem a obrigação de forçar os empresários a aumentarem sua taxa de preferência temporal em razão de uma economia mais estável, com uma distribuição de renda mais equilibrada até alcançar um padrão médio digno. Poderíamos dizer que o estado esta forçando as empresas a trabalharem mais ao ponto delas autossustentarem a sociedade? Ou seja cumprir o seu papel social e só depois o seu papel individual?

A moeda pra Ludwing Von Mises.
A “microeconomia” fundamenta-se, pelo menos a grosso modo, nas ações dos consumidores e produtores individuais; mas quando os economistas passam à análise da moeda, vemo-nos subitamente lançados nos agregados totais: de moeda, de “níveis de preço”, de “produto nacional” e de gastos públicos. sem uma base concreta na ação individual. Assim no intender de Ludwing Von Misses a “macroeconomia” salta de um conjunto de falácias para outro, sem qualquer base concreta diretamente na microeconomia, quase sempre partindo de princípios estatais sem nenhum respaldo mediatamente com as empresas.

Ludwig von Mises se dispôs a eliminar essa dissociação e a fundamentar a economia da moeda e de seu poder de compra na análise austríaca do indivíduo e da economia de mercado: pretendia chegar a uma ciência econômica ampla e integrada, capaz de explicar todas as partes do sistema econômico. Mises realizou essa monumental tarefa em sua primeira grande obra: The Theory of Money and Credit (1912). Finalmente a ciência econômica tornava-se um todo, um corpo integrado de análise, fundado na ação individual; assim não mais precisaria haver qualquer dissociação entre moeda e preços relativos, entre micro e macro.

A mecanicista concepção de Fisher de relações automáticas entre a quantidade de moeda e o nível de preço, de “velocidades de circulação” e “equações de troca” foi explicitamente demolida por Mises em nome de uma aplicação integrada da teoria da utilidade marginal à oferta e à demanda da própria moeda.

Especificamente, Mises mostrou que, se o preço de qualquer outro bem é determinado por sua quantidade disponível e pela intensidade com que os consumidores o demandam com base na utilidade marginal deste bem para eles, também o “preço” ou poder de compra da unidade monetária é determinado no mercado de maneira idêntica.

Mises, embora aceitasse a “teoria da quantidade” clássica, segundo a qual um aumento da oferta de dólares ou de onças de ouro acarretará uma queda de seu valor ou “preço” (i.e., uma elevação dos preços dos demais bens e serviços), burilou consideravelmente essa tosca abordagem e integrou-a à análise econômica geral. Entre outras coisas, mostrou que esse movimento dificilmente seria proporcional: um aumento da oferta de moeda tenderá a rebaixar seu valor, mas a intensidade e até mesmo a simples ocorrência deste efeito dependem do que acontece à utilidade marginal da moeda e, por conseguinte, dependem da demanda de dinheiro por parte da população para conservar seus saldos em caixa. Em suma depende do montante que a sociedade precisa pra guardar seu dinheiro, estoque.  

Além disso, Mises mostrou que a “quantidade de moeda” não aumenta como um todo indiferenciado: o aumento é injetado num ponto do sistema econômico e os preços só subirão à medida que o novo dinheiro se dissemina, em círculos cada vez mais amplos, pela economia.

Mises conseguiu também demonstrar que um dos primeiros achados de Ricardo e de seus primeiros discípulos, por muito tempo esquecido, era absolutamente correto: afora os usos industriais e de consumo do ouro (dado que inicialmente as moedas eram de ouro), um aumento da oferta de moeda não proporciona benefício social de espécie alguma, isto porque, ao contrário do que acontece com fatores de produção como a terra, o trabalho e o capital, cujo aumento ocasionaria uma maior produção e uma elevação do padrão de vida, um aumento da oferta de moeda pode apenas reduzir seu próprio poder de compra, sem que aumente a produção. Se todos tivessem o dinheiro que possuem no bolso ou na conta bancária magicamente triplicado do dia para a noite, a sociedade nada ganharia com isso. 

Mises mostrou, contudo, que o grande atrativo da “inflação” (um aumento da quantidade de moeda) é precisamente que nem todos se apossam do novo dinheiro ao mesmo tempo e no mesmo grau; ao contrário, o governo, seus fornecedores favoritos e os beneficiários de seus subsídios são os primeiros a receber o novo dinheiro. Estes têm sua renda acrescida antes que muitos preços subam, ao passo que os desafortunados membros da sociedade, que recebem o novo dinheiro por último ou que, na condição de pensionistas, não o recebem de maneira alguma, saem perdendo, porque os preços dos artigos que compram sobem antes que recebam um maior rendimento. Em suma, o atrativo da inflação está em permitir que o governo e outros grupos na economia se beneficiem, silenciosa e efetivamente, às custas de grupos da população desprovidos de poder político.

A inflação – a expansão da oferta de moeda – assim é, conforme Mises o demonstrou, um processo de tributação e de redistribuição de riqueza indevidamente. Numa economia de mercado livre em desenvolvimento, não tolhida por aumentos da oferta de moeda induzidos pelo governo, os preços tenderão geralmente a cair à medida que a oferta de bens e serviços se expande. Já que a moeda não seria assim demandada a todo o tempo sem nenhuma previsão aceitável ou um ponto de partida. E, na verdade, baixas de preços e de custos constituíram o traço distintivo da expansão industrial ao longo de quase todo o século XiX.

Misses ao aplicar a utilidade marginal à moeda, teve de superar o problema que os economistas em sua maioria consideravam insolúvel: o chamado “círculo austríaco”. Os economistas compreendiam que os preços dos ovos, dos cavalos ou do pão podiam ser determinados pela utilidade marginal de cada um desses itens. No entanto, à diferença desses bens para o dinheiro é que os primeiros são demandado para serem consumidos, já o dinheiro é demandado e conservador em saldos de caixa para ser despendido em bens. Assim, pois, ninguém pode demandar dinheiro (e ter uma utilidade marginal para ele) a menos que o mesmo já exista, determinando um preço e um poder de compra no mercado. Mas, nesse caso, como explicar satisfatoriamente o preço do dinheiro com base em sua utilidade marginal, se ele precisa ter um preço preexistente para ser demandado?

Com seu “teorema da regressão” Mises superou o “círculo austríaco”, numa de suas mais importantes realizações teóricas: mostrou que, de maneira lógica, pode-se fazer retroceder esse componente temporal da demanda de dinheiro até aquele dia remoto em que a mercadoria-moeda não era dinheiro, sendo antes, por direito próprio, uma mercadoria útil de escambo: em suma, pode-se fazê-lo retroceder até o dia em que a mercadoria-moeda (p. ex., ouro ou prata) era demandada exclusivamente por suas qualidades enquanto mercadoria consumível e diretamente utilizável. Sua descoberta teve outras importantes implicações: mostrou que a moeda só poderia ter uma forma de origem: no mercado livre e a partir da demanda direta, nesse mercado, de uma mercadoria útil. E isso significa que a moeda não podia se ter originado nem por um decreto governamental que convertesse algo em moeda, nem por alguma espécie de contrato social único: ela só poderia ter-se desenvolvido a partir de uma mercadoria útil e valiosa para todos.

Carl Menger já demonstrara antes que a moeda provavelmente surgira desse modo, mas foi Mises quem provou que a moeda só poderia ter surgido no mercado. Mas isso tinha ainda outras implicações: significava, em oposição às concepções da maioria dos economistas de então e de hoje, que a “moeda” não é simplesmente unidades ou pedaços de papel arbitrário tal como definidos pelo governo: “dólares”, “libras”, “francos” etc. Ela originou-se necessariamente como mercadoria útil: como ouro, prata, ou qualquer outra coisa. A unidade monetária original, a unidade de cálculo e de câmbio, não foi o “franco” ou o “marco”, mas a grama de ouro ou a onça de prata. A unidade monetária é, essencialmente, uma unidade de peso de determinada mercadoria com um valor específico produzido no mercado. Não é de espantar, de fato, que todos os nomes hoje dados ao dinheiro – dólar, libra, franco e assim por diante – tenham sido antes designações de unidades de peso do ouro ou da prata. Mesmo no caos monetário de nossos dias, as leis dos EUA continuam a definir o dólar como uma trigésima - quinta parte (atualmente uma quadragésima - segunda) de uma onça de ouro.

Essa análise, combinada à demonstração feita por Mises dos implacáveis males sociais que decorrem do aumento da oferta, por parte do governo, de “dólares” e de “francos” arbitrariamente produzidos, indica o caminho da total separação entre governo e sistema monetário. Isto porque significa que a essência da moeda é um peso de ouro ou prata, sendo perfeitamente possível retornar a um mundo em que esses pesos voltariam a ser a unidade de cálculo e o meio das trocas monetárias. Um padrão-ouro, longe de representar um fetiche bárbaro ou mais um artifício do governo, é considerado capaz de fornecer uma moeda produzida exclusivamente no mercado e não sujeita às tendências redistributivas e inflacionárias próprias do governo coercitivo.

Estes, no entanto, estão longe de ser os únicos grandes feitos da monumental obra de Mises, The Theory of Money and Credit. Ele revela, também, o papel das transações bancárias na oferta de moeda, mostrando que a atividade bancária livre, isenta do controle e do comando do governo, não redundaria em expansão desenfreadamente inflacionária da moeda – os bancos é que seriam compelidos, por demandas de pagamento, a uma política segura e não inflacionária de “moeda forte”.

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