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sábado, 17 de agosto de 2013

Edmund Burke: Conservadorismo Moderno



Pensador e político inglês do século XVIII, Edmund Burke é considerado o fundador do conservadorismo moderno. Tal atributo lhe foi imputado, mais, em virtude de suas formulações teóricas nascidas de seu ataque ferrenho aos revolucionários franceses e seus defensores na Inglaterra, o que o levou à posição de primeiro grande crítico da Revolução Francesa de 1789, do que em função de sua brilhante carreira como parlamentar Whig (grupo partidário liberal), defensor das liberdades e do constitucionalismo dos ingleses. Burke não escreveu um tratado sobre teoria política; sua obra consiste em uma série de cartas, discursos parlamentares e panfletos de circunstância, e seu pensamento, embora altamente imaginativo, é bastante assistemático, o que tornou sua produção sujeita a interpretações conflitantes e mesmo à acusação de inconsistência teórica e doutrinária.

Edmund Burke nasceu em janeiro de 1729 na cidade de Dublin, na Irlanda, à época uma colônia inglesa. Seu pai, um advogado de confortável posição, era protestante, e sua mãe, descendente de uma velha família católica. Burke optou pelo protestantismo e, embora desenvolvesse uma ligação profunda com a religião, foi sempre muito tolerante com as diferentes seitas. Isto certamente tem a ver com sua diversificada experiência familiar e escolar. Burke teve uma excelente educação. Burke vai para Londres com a intenção de se preparar para a carreira de advogado, matriculando-se assim num curso de direito no Middle Temple. Embora tenha inicialmente se dedicado com afinco ao estudo da jurisprudência, logo se viu atraído pela literatura, o que o fez abandonar seus estudos de direito.
       
Seu primeiro contato direto com a política se deu através de William Gerard Hamilton, um parlamentar que em 1761 foi nomeado primeiro-secretário do governador da Irlanda e que convidou Burke para acompanhá-lo como secretário particular. Esta experiência junto à administração inglesa na Irlanda fez com que entrasse a fundo nos problemas de sua terra natal, tornando-se um incansável defensor das causas irlandesas. Permaneceu na Irlanda até 1765, data em que rompeu com Hamilton e em que foi nomeado secretário do marquês de Rockingham, líder de um dos grupos Whig no Parlamento (Liberal). Como seu secretário durante dezessete anos, Burke participou dos governos liderados por Lord Rockingham, e exerceu grande influência neste que era o líder da principal corrente política inglesa, o partido Whig de Rockingham. Assim, não foi difícil para Burke conseguir, através de eleições de limitada participação como as que ocorriam na época, um assento no Parlamento. Sua entrada na Câmara dos Comuns se dá em 1766 como deputado por Wendover, cadeira que iria conservar até 1774, quando a trocou pela deputação por Bristol. Foi nesta cidade - então a segunda do reinado - que, ao ser proclamado eleito em 3 de novembro de 1774, Burke pronunciou o famoso discurso, tratando do papel de um representante no Parlamento. Neste discurso Burke defende com brilhantismo a independência da atividade de um representante. Este, ao invés de se guiar por instruções de seus representados, deveria se orientar pelo bem geral de toda a comunidade e agir de acordo com seu próprio julgamento e consciência.
   
Burke permaneceu como representante de Bristol até 1780, quando, reconhecendo ter perdido a confiança de seus representados, decidiu-se por assegurar um lugar no Parlamento através da representação do distrito de Malton, cadeira que conservou até encerrar sua carreira parlamentar em 1794. Burke morreu em 9 de julho de 1797.

Uma sociedade natural, hierárquica e desigual
É uma tarefa demasiado árdua discutir em uma breve apresentação os vários e intrincados aspectos envolvidos no pensamento de Burke, principalmente por se tratar de um pensador e político que nunca chegou - nem mesmo nas Reflexões - a expor de modo sistemático suas idéias fundamentais. Estas, ao contrário, emergem em meio a críticas e argumentos construídos na discussão acerca de questões concretas. Sua despreocupação com a sistematização de seu pensamento muito se deve ao fato de esposar uma visão hostil às abstrações. Para Burke, as concepções teóricas, sem contato com a realidade, muitas vezes obstruem ou corrompem a ação política, por não levar em consideração as circunstâncias complexas em que os problemas estão envolvidos: "São as circunstâncias que fazem com que qualquer plano político ou civil seja benéfico ou prejudicial para a humanidade". Desse modo, princípios abstratos não podem ser simplesmente aplicados na solução de problemas políticos reais. De fato, foi essa a primeira grande objeção de Burke à Revolução Francesa, um movimento motivado por princípios abstratos como a liberdade, a igualdade. Isso não significa, no entanto, que Burke tenha evitado fazer generalizações teóricas. E, apesar de suas constantes referências pouco elogiosas ao pensamento abstrato, suas críticas às ideias revolucionárias, bem como as posições fundamentais que defendia, não deixavam de possuir fundamentos metafísicos. Burke admitia existir, subjacente ao fluxo dos eventos, uma realidade superior, sendo essencial para qualquer ação o seu conhecimento. E, de fato, sua concepção sobre o Estado e a sociedade baseia-se em determinadas suposições sobre a natureza do Universo. A esse respeito, cabe ressaltar o papel proeminente da religião no esquema explicativo de Burke. Estado e sociedade fazem parte da ordem natural do Universo, que é uma criação divina. Segundo Burke, Deus criou um Universo ordenado, governado por leis eternas. Os homens são parte da natureza e estão sujeitos às suas leis. Estas leis eternas criam suas convenções e o imperativo de respeitá-las; regulam a dominação do homem pelo homem e controlam os direitos e obrigações dos governantes e governados. Os homens, por sua vez, dependem uns dos outros, e sua ação criativa e produtiva se desenvolve através da cooperação. Esta requer a definição de regras e a confiança mútua, o que é desenvolvido pelos homens, com o passar do tempo, através da interação, da acomodação mútua e da adaptação ao meio em que vivem. É desse modo que eles criam os princípios comuns que formam a base de uma sociedade estável.
   
Alguns pontos podem assim ser assinalados quanto à concepção de Burke acerca da natureza da sociedade e do Estado. Em primeiro lugar, a sociedade tem uma essência moral, um sistema de mútuas expectativas, deveres e direitos sociais (e não naturais). Em segundo lugar, vemos em Burke a idéia de que a sociedade é natural e de que os homens são por natureza sociais ("o estado de sociedade civil [...] é um estado de natureza"). E aqui cabe frisar que, para Burke, faz também parte da natureza das coisas a desigualdade (e a propriedade, que tem por traço fundamental ser desigual). A natureza é hierárquica; assim, uma sociedade ordenada é naturalmente dividida em estratos ou classes, de modo que a igualdade, tanto política, social como econômica, vai contra a natureza. Para Burke, a idéia de igualdade, esta "monstruosa ficção" apregoada pela Revolução Francesa, só serve para subverter a ordem e "para agravar e tornar mais amarga a desigualdade real que nunca pode ser eliminada e que a ordem da vida civil estabelece, tanto para benefício dos que têm de viver em uma condição humilde" como dos privilegiados.
   
Em terceiro lugar, tem-se a idéia de que a sociedade näo apenas tem origem divina mas também é divinamente ordenada. Segundo Burke, Deus nos legou o Estado, que é o meio necessário pelo qual nossa natureza é aperfeiçoada pela nossa virtude. Nesse sentido, a sociedade e o Estado possibilitam a realização das potencialidades humanas. Pode-se identificar em Burke uma atitude de veneração ao Estado (especificamente ao Estado inglês), bastante similar à que teria mais tarde Hegel em relação ao Estado prussiano. Como afirma Burke, o Estado é "uma associação de toda ciência, de toda arte, de toda virtude e de toda perfeição [...] uma associação não apenas entre os vivos, mas também entre os mortos e os que irão nascer". E isso nos leva a fazer alusão a um outro traço importante do pensamento de Burke: sua defesa da continuidade, sua reverência à tradição social e constitucional.
   
Uma constante no pensamento político de Burke, aparente tanto quando ele criticava o governo autocrático e a política colonial da Coroa como quando vilipendiava a Revolução Francesa, é a defesa da Constituição inglesa. Muito do seu sentido de conservação está referido ao que esta Constituição, a seu ver, representava ou personificava. Em primeiro lugar, ela representava o pacto voluntário pelo qual uma sociedade é criada; e por se basear em um contrato voluntário inicial, ela é um imperativo para todos os indivíduos de uma sociedade. Em segundo lugar, a Constituição inglesa personificava a tradição, e por isso deveria ser respeitada, porque esta representa a "progressiva experiência" do homem. Afirma Burke: 

"Nossa Constituição é uma Constituição prescritiva; é uma Constituição cuja única autoridade consiste no fato de ter existido desde tempos imemoráveis". E as velhas instituições são as mais úteis, porque elas têm a sabedoria de Deus trabalhando através da experiência dos homens no curso de sua história.

Em terceiro lugar, defender a Constituição inglesa significava defender o arranjo político instaurado a partir da Revolução de 1688, que garantia o equilíbrio entre a Coroa e o Parlamento. Este arranjo político consagrava à monarquia a condição de instituição central da ordem política, ao personificar o objeto "natural" de obediência e reverência; mas atribuía ao Parlamento – corpo representativo dos diferentes interesses do reino - a condição de contrapeso da instituição monárquica, possibilitando o necessário controle sobre os abusos do poder real. Afirma Burke:

"A virtude, o espírito e a essência da Câmara dos Comuns consiste em ser ela a imagem expressa dos sentimentos da nação. Ela não foi instituída para ser um controle sobre o povo.”

Assim, tem uma posição-chave nesse arranjo constitucional a Câmara dos Comuns, através da qual o povo está representado, no entanto, o caráter representativo desta Câmara é para Burke muito mais virtual do que real, e tem pouco a ver com base eleitoral, mesmo porque Burke se opunha à extensão do sufrágio. Segundo Burke, os interesses têm uma realidade objetiva e são o fruto de debate e deliberação entre homens de sabedoria e de virtude, não se confundindo com os meros desejos e opiniões do povo. É nesse sentido que Burke defendia o mandato independente na atividade de um representante. Como argumenta em seu famoso discurso aos eleitores de Bristol,

"O Parlamento é uma assembléia deliberante de uma nação, com um único interesse, o de todos; onde não deveriam influir fins e preconceitos locais, mas o bem comum [...]". É portanto um direito e um dever dos membros do Parlamento seguir sua própria consciência e julgamento independente, ao invés de obedecer aos desejos ou instruções de sua base.”
   
Finalmente cabe ressaltar a importância assinalada por Burke aos partidos políticos, peça essencial de um governo livre. Na verdade, Burke foi quem primeiro atribuiu um significado positivo ao termo partido político, dissociando-o do caráter faccioso originalmente atribuído aos agrupamentos políticos. Sua defesa dos partidos políticos é uma reação à idéia, difundida pela camarilha do rei, de que toda conexão que persegue um fim político é necessariamente uma facção que visa somente vantagens pessoais e antipatrióticas. Contrapondo-se a essa ideia, Burke formulou a definição clássica de partido político:

"Um grupo de homens unidos para a promoção, através de seu esforço conjunto, do interesse nacional, com base em algum princípio determinado com o qual todos concordam, os partidos são instrumentos necessários para que planos comuns possam ser postos em praticas “com todo o poder e autoridade do Estado”.

Concebendo a sociedade como um organismo que encarnava a ordem moral de origem divina; fiel defensor da hierarquia social, das prescrições, dos direitos herdados e da continuidade histórica; critico ferrenho das ideias e praticas da Revolução Francessa; Burke por estes e outros atributos, tornou-se o exponente máximo do pensamento conservador. Conhecer suas ideias ajuda-nos a entender os fundamentos em que esta baseada a critica conservadora a concepção dialética da historia, a teoria da revolução, ao radicalismo politico. Mas Burke foi também um vigoroso inimigo da camarilha do rei Jorge III, critico contumaz do governo autocrático e do imperialismo britânico em sua forma vigente na América, Irlanda e índia no Século XVIII; defensor de uma economia de mercado, de tolerância religiosa e dos princípios liberais da revolução Whig de 1688. Tais tributos é que deram a Burke o titulo de constitucionalista liberal. Um liberal conservador, esta seria a melhor denominação para Burke; e discutir sua concepção sobre representação politica, sobre partidos e governos partidários, ajuda-nos a conhecer os mecanismos caraterísticos de um regime parlamentar.

Independência americana e revolução francesa
Durante todo o período que vai de 1766 a 1794, Burke foi um atuante membro do Parlamento e, como tal, esteve presente nos principais acontecimentos políticos da Inglaterra dos meados do século XVIII. Referir-se a esta época e a este lugar é situarmo-nos em um período histórico em que já despontavam na Inglaterra sinais do grande surto econômico provocado pela Revolução Industrial; significa, também, colocarmo-nos em um país onde há quase um século ocorrera a derrocada da monarquia absolutista, e onde a ordem capitalista já se tornara parte do status quo, instaurada como foi na Inglaterra por um processo de acomodação progressiva do novo na velha ordem tradicional.
   
Num contexto mais específico, a época em que Burke iniciou sua carreira política coincide com um evento que iria ter consequências significativas na política britânica: a ascensão de Jorge III ao trono da Inglaterra. Tornando-se rei em 1760, Jorge III iria tentar de todas as formas assegurar um papel mais ativo para a Coroa, a qual, desde a Revolução Gloriosa de 1688, havia perdido influência em benefício do fortalecimento do Parlamento. Assim, os primeiros 35 anos do reinado de Jorge III foram marcados pela ação deliberada do rei com vistas a reverter, a qualquer custo, a tendência prevalecente nas décadas anteriores, de modo a reconquistar para a Coroa o poder efetivo. E, nesta luta, Edmund Burke se colocou ao lado do Parlamento, defendendo o regime parlamentar e a ordem constitucional inglesa. Fazendo uma análise da situação política da época, Burke argumentava no sentido de mostrar que as ações de Jorge III chocavam-se com o espírito da Constituição; e denunciava como prática de favoritismo o critério pessoal na escolha dos ministros. Combatendo a camarilha do rei, Burke defendia a escolha dos membros do ministério segundo bases públicas, isto é, através da aprovação do Parlamento, que representa a soberania popular. É neste ensaio que encontramos, pela primeira vez expressa de forma inequívoca, uma defesa dos partidos políticos como instrumentos de ação conjunta na vida pública.

Foi também no tempo de Burke que se acirrou o conflito do Império britânico com as colônias  americanas,  culminando na guerra da independência. O desenvolvimento prodigioso das colônias da América no século XVIII havia gerado tensões no sistema de regulação política e econômica imperial, e a determinação da Coroa de manter o controle absoluto sobre os povos colonizados resultou em repressão e guerra. Defensor de uma política mais conciliatória, seus pronunciamentos mais conhecidos sobre esta questão e a carta enviada à sua base eleitoral justificando sua posição em defesa dos americanos, Letter to the sheriffs of Bristol (1777). Em seus pronunciamentos, Burke defendia a necessidade de se encontrar uma solução harmônica para o problema daqueles que, em verdade, eram descendentes dos ingleses e que, como estes, possuíam o espírito de liberdade que tão bem encarnavam as instituições britânicas; argumentava que estava em risco não apenas as liberdades dos americanos mas as próprias liberdades dos ingleses.
                                                 
Se foi em nome dessas liberdades que Burke se insurgiu contra as investidas da Coroa em tentar aumentar seu poderio interna e externamente, foi em nome da ordem e das tradições inglesas que Burke iniciaria uma cruzada contra o acontecimento histórico mais surpreendente de sua época, a Revoluçäo Francesa de 1789. Sua hostilidade desmesurada a este movimento revolucionário sem precedentes, que causara entusiasmo entre os ingleses, inspirou-lhe a produção de sua mais importante obra: Reflexões sobre a revolução em França, publicada em 1790. Esta obra foi motivada por um pronunciamento do dissidente protestante Richard Price, que, elogiando a Revolução Francesa, elegia-a como modelo aos britânicos.

Assim é que grande parte desta obra tem por fim dinamitar os argumentos dos defensores na Inglaterra daquelas idéias radicais que impulsionaram a Revolução na França, as quais Burke temia que fossem generalizadas. Desta maneira, Burke discute as ideias fundamentais que animaram o movimento, tais como a questão da igualdade, dos direitos do homem e da soberania popular; alerta contra os perigos da democracia em abstrato e da mera regra do número; e questiona o caráter racionalista e idealista do movimento, salientando não se tratar simplesmente do fato de estar a revolução provocando o desmoronamento da velha ordem, mas de estar causando a deslegitimaçäo dos valores tradicionais, destruindo assim toda uma herança em recursos materiais e espirituais arduamente conquistada pela sociedade. Contrapondo-se a esses males, Burke exalta as virtudes da Constituição inglesa, repositório do espírito de continuidade, da sabedoria tradicional, da prescrição, da aceitação de uma hierarquia social e da propriedade, e da consagração religiosa da autoridade secular. É particularmente nesta obra que se encontram expostos de forma mais clara os fundamentos e traços conservadores do pensamento de Burke.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Rousseau: O Bom Selvagem.


Rousseau - Da Servidão a Liberdade.

Este filho de relojoeiro, pela sua condição social, não iria encontrar um caminho muito fácil pela frente, se quisesse ingressar no mundo das letras, dominado, na sua maioria, por pensadores como Voltaire, cuja linhagem era a de uma burguesia bem abastada, que frequentava os famosos “salões” da época e não dispensavam um certa proximidade da corte. Rousseau será sempre avesso aos salões e às cortes. Será um filosofo à margem dos grandes nomes de seu século, mas nem por isso estaria afastado das polemicas e chegou ate contribuir, a convite de Diderot, para a grande Enciclopédia, com artigos sobre música e economia politica.

Dentre os filósofos do chamado século das luzes, que preconizavam a difusão do saber como o meio mais eficaz para se pôr fim à superstição, à ignorância, ao império da opinião e do preconceito, e que acreditavam estar dando uma contribuição enorme para o progresso do espírito humano, Rousseau, certamente, ocupa um lugar não muito cômodo em relação a essas ideias. Seu ingresso na república das letras deu-se com a obtenção do prêmio concedido pela Academia de Dijon, que havia proposto o seguinte tema para dissertação: "O restabelecimento das ciências e das artes teria contribuído para aprimorar os costumes?" Ao responder negativamente a essa questão, Rousseau iria marear uma posição bem diferente do espírito da época. "Se nossas ciências são inúteis no objeto que se propõem, são ainda mais perigosas pelos efeitos que produzem." (Rousseau, J. J. Discours surr les sciences et les arts. Paris, Pléade, 1954. P. 18)Antes pois de defender o processo de difusão das luzes, impõe-se perguntar sobre que tipo de saber tem norteado a vida dos homens. 

A crítica às ciências e às artes, contudo, não significa uma recusa do que seria a verdadeira ciência. De certa maneira, se Rousseau não partilha com seus contemporâneos o ideal da difusão das luzes do saber, pode-se dizer que, ao invocar o ideal do sábio, sua exigência é ainda maior do que a deles, porque acompanhada de uma forte conotação moral. A ciência que se pratica muito mais por orgulho, pela busca da glória e da reputação do que por um verdadeiro amor ao saber, não passa de uma caricatura da ciência e sua difusão por divulgadores e compiladores, autores de segunda categoria, que só  contribuir para piorar muito mais as coisas.

Segundo Rousseau a verdadeira filosofia é a virtude, esta ciência sublime das almas simples, cujos princípios estão gravados em todos os corações. Para se conhecer suas leis basta voltar-se para si mesmo e ouvir a voz da consciência no silêncio das paixões. Uma vez porém que já quase não mais se encontram homens virtuosos, mas apenas alguns menos corrompidos do que outros, as ciências e as artes, embora tenham contribuído para a corrupção dos costumes, poderão, no entanto, desempenhar um papel importante na sociedade, o de impedir que a corrupção seja maior ainda. Não se trata, portanto, de acabar com as academias, as universidades, as bibliotecas, os espetáculos. As ciências e as artes podem muito bem distrair a maldade dos homens e impedi-los de cometer crimes hediondos.

Desse modo, conforme Rousseau nos diz no "Prefácio" de Narciso, não há nenhuma incompatibilidade em fazer a crítica radical das ciências e das artes e, ao mesmo tempo, escrever peças de teatro e livros sobre moral e política. Embora todas as ciências e as artes tenham feito mal à sociedade, é essencial hoje servir-se delas, como de um remédio para o mal que  causara. É pois nesse quadro que o autor se coloca, destoando bastante de seus contemporâneos, mas ao mesmo tempo marcando de maneira precisa o sentido mesmo de sua atividade como escritor.

O Pacto Social
Aqui vai as ideias apenas do Contrato social e do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, porque constituem uma unidade temática importante e porque os demais escritos de Rousseau, de certa maneira, aprofundam e explicitam as questões que já haviam sido abordadas nessas duas obras.

A chave para se entender a articulação entre essas duas obras está no primeiro parágrafo no capitulo 1, do livro 1, do Contrato: “O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se aprisionado. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como se deve esta transformação? Eu o ignoro: o que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão". Assim nos diz Rousseau.

A trajetória do homem, da sua condição de liberdade no estado de natureza, até o surgimento da propriedade, com todos os inconvenientes que dai surgiram, foi descrita no Discurso sobre a origem da desigualdade. Nesta obra, o objetivo de Rousseau é o de construir a história hipotética da humanidade, deixando de lado os fatos, procedimento semelhante ao que outros filósofos (como Locke e Hobbs) já haviam feito no século XVII.

                         Comecemos por afastar todos os fatos, pois eles não dizem respeito a questão. Não se devem considerar as pesquisas, em que se pode entrar neste assunto como verdades históricas, mas somente como raciocínios hipotéticos e condicionais, mais apropriados a esclarecer a natureza das coisas do que a mostrar a verdadeira origem e semelhantes àqueles que, todos os dias, fazem nossos físicos sobre a formação do mundo.

Ao declarar que ignora o processo de transformação do homem, da liberdade à servidão, nosso autor se refere aos fatos reais, que seriam bem difíceis de serem verificados, uma vez que os vestígios deixados pelos homens são insuficientes para que se tenha uma idéia precisa de toda a sua história. Esta, porém, pode ser construída hipoteticamente e demonstrada através de argumentos racionais. Qual seria pois a história hipotética da humanidade? Esta seria, precisamente, a que culmina com a legitimação da desigualdade, quando o rico apresenta a proposta do pacto, apresentando esse discurso. “Unamo-nos para defender os fracos da opressão, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence, instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a conformar-se, que não abram exceção para ninguém e que, submetendo igualmente a deveres mútuos o poderoso e o fraco, reparem de certo modo os caprichos da fortuna.” Em outras palavra, em lugar de voltar nossas forças contra nós mesmos, reunamo-nos num poder supremo que nos governe segundo sábias leis, que protejam e defendam todos os membros da associação, expulsem os inimigos comuns e nos mantenham em concórdia eterna. Este seria o pacto proposto pelos ricos aos pobres.

E Rousseau acrescenta logo em seguida:

Fora preciso muito menos do que o equivalente desse discurso para arrastar homens grosseiros, fáceis de seduzir, [ ... ] Todos correram ao encontro de seus grilhões, crendo assegurar sua liberdade [ ... ] Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fizeram de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, para proveito de alguns ambiciosos, sujeitaram doravante todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e a miséria.

É a partir do reconhecimento dessa situação que Rousseau inicia o Contrato social, afirmando que "o homem nasce livre e em toda parte encontra-se a ferros", devido a traição cometida pelos ricos, ao prometerem que com um Estado haveria igualdade, mas o que se deu foi justamente o contrario.  

Rousseau se pergunta como ocorreu a mudança da liberdade para a servidão e responde imediatamente que não sabe, mas que pode resolver o problema da sua legitimidade, é preciso entender que não é o caso de legitimar a servidão, pois isto ele denunciara no Discurso, na passagem que acabamos de citar. O que pretende estabelecer no Contrato social são as condições de possibilidade de um pacto legítimo, através do qual os homens, depois de terem perdido sua liberdade natural, ganhem, em troca, a liberdade civil. Tais condições serão desenvolvidas ao longo dos capítulos VI, VII e VIII do livro I do Contrato. No processo de legitimação do pacto social, o fundamental é a condição de igualdade das partes contratantes. As cláusulas do contrato, quando bem compreendidas, reduzem-se a uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda porque em primeiro lugar, cada um dando-se completamente, a condição é igual para todos e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa por tornar onerosa para os demais.  Em suma, Rousseau pretende com isso que faça um novo contrato, mas, um contrato legitimo. A situação é bem diferente daquela descrita no Discurso sobre a origem da desigualdade. Agora, ninguém sai prejudicado, porque o corpo soberano que surge após o contrato é o único a determinar o modo de funcionamento da máquina política, chegando até mesmo a ponto de poder determinar a forma de distribuição da propriedade, como uma de suas atribuições possíveis, já que a alienação da propriedade de cada parte contratante foi total e sem reservas. Desta vez, estariam dadas todas as condições para a realização da liberdade civil, pois o povo soberano, sendo ao mesmo tempo parte ativa e passiva, isto é, agente do processo de elaboração das leis e aquele que obedece a essas mesmas leis, tem todas as condições para se constituir enquanto um ser autônomo, agindo por si mesmo. Nestas condições haveria uma conjugação perfeita entre a liberdade e a obediência.

Obedecer à lei que se prescreve a si mesmo é um ato de liberdade. Fórmula que seria desenvolvida mais tarde por Kant. Um povo, portanto, só será livre quando tiver todas as condições de elaborar suas leis num clima de igualdade, de tal modo que a obediência a essas mesmas leis signifique, na verdade, uma submissão à deliberação de si mesmo e de cada cidadão, como partes do poder soberano. Isto é, uma submissão à vontade geral e não à vontade de um indivíduo em particular ou de um grupo de indivíduos.

A vontade e a representação
Para Rousseau, antes de mais nada, impõe-se definir o governo, o corpo administrativo do Estado, como funcionário do soberano, como um órgão limitado pelo poder do povo e não como um corpo autônomo ou então como o próprio poder máximo, confundindo-se neste caso com o soberano. Neste sentido, dentro do esquema de Rousseau, as formas clássicas de governo, a monarquia, a aristocracia e a democracia, teriam um papel secundário dentro do Estado e poderiam variar ou combinar-se de acordo com as características do país, tais como a extensão do território, os costumes do povo, suas tradições etc. Mesmo sob um regime monárquico, segundo Rousseau, o povo pode manter-se como soberano, desde que o monarca se caracterize como funcionário do povo. Desde que o governantes, não ultrapasse o legitimo poder, que no caso, seria o povo, de modo que o povo tem a obrigação de se mante em alerta quanto aos abusos.


Uma vontade não se representa. "No momento em que um povo se dá representantes, não é mais livre, não mais existe."  O exercício da vontade geral através de representantes significa uma sobreposição de vontades. Ninguém pode querer por um outro. Quando isto ocorre, a vontade de quem a delegou não mais existe ou não mais está sendo levada em consideração. Donde se segue que a soberania é inalienável. Mas Rousseau reconheceria a necessidade de representantes a nível de governo. E, se já era necessária uma grande vigilância em relação ao executivo, por sua tendência a agir contra a autoridade soberana, não se deve descuidar dos representantes, cuja tendência é a de agirem em nome de si mesmos e não em nome daqueles que representam. Para não se perpetuarem em suas funções, seria conveniente que fossem trocados com uma certa freqüência.


 
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