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    O fato é que, no sistema capitalista, os chefes, em última instância, são os consumidores. Não é o estado, é o povo que é soberano.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Ludwing Von Mises - A Refutação Cabal do Socialismo.

“Ninguém pode ser chamado para estabelecer o que é necessário para que alguém seja feliz.”

Na década de 1930, à esquerda nos asseverava que tínhamos de escolher entre o comunismo e o fascismo: eram as únicas alternativas disponíveis. Agora, no âmbito da ciência econômica norte-americana contemporânea, pretende-se que optemos entre os monetaristas do “mercado livre” e os keynesianos. Além disto, espera-se que atribuamos grande importância a fatores tais como a exata quantia em que o governo federal deveria expandir a oferta de moeda ou o montante preciso do déficit federal.

Quase ninguém leva em conta esta terceira alternativa: a eliminação de qualquer influência ou controle do governo sobre a oferta de moeda ou, até mesmo, sobre toda e qualquer parte do sistema econômico. Aí está a trilha desprezada do verdadeiro mercado livre, a trilha que um notável e solitário economista, disposto ao combate e de fascinante criatividade – ludwig von Mises – desbravou e propugnou ao longo de toda a sua vida. Mises juntamente com outros teóricos liberais em seus livros  Socialism, de Ludwig von Mises; Austrian Perspective on the History of Economic Thought, de Murray N. Rothbard; e Democracia - o Deus que falhou, de Hans-Hermann Hoppe. Em razão justamente da  Escola Austríaca fizeram a assim chamada  “refutação cabal do socialismo”.  Nesse breve artigo eis ai um pequeno resumo das principais ideias do brilhante Mises com suas próprias palavras. Esta pequena resenha de modo algum faz justiça ao brilhantismo do livro, o qual você deve ler com atenção para formar suas próprias conclusões.  Tudo o que posso dizer é que o livro é altamente recomendado para todas as pessoas interessadas no tema, e ainda mais especificamente para aquelas que querem entender o cerne do liberalismo moderno e das ideias por trás do socialismo e suas consequências. 

Breve Historia do Capitalismo.
Certas expressões usadas pelo povo são, muitas vezes, inteiramente equivocadas. Assim, atribuem-se a capitães de indústria e a grandes empresários de nossos dias epítetos como “o rei do chocolate”, “o rei do algodão” ou “o rei do automóvel”. Ao usar essas expressões, o povo demonstra não ver praticamente nenhuma diferença entre os industriais de hoje e os reis, duques ou lordes de outrora. Mas, na realidade, a diferença é enorme, pois um rei do chocolate absolutamente não rege, ele serve. Esse “rei” precisa se conservar nas boas graças dos seus súditos, os consumidores: perderá seu “reino” assim que já não tiver condições de prestar aos seus clientes um serviço melhor e de mais baixo custo que o oferecido por seus concorrentes.

Duzentos anos atrás, antes do advento do capitalismo, o status social de um homem permanecia inalterado do princípio ao fim de sua existência: era herdado dos seus ancestrais e nunca mudava. Se nascesse pobre, pobre seria para sempre; se rico – lorde ou duque –, manteria seu ducado, e a propriedade que o acompanhava, pelo resto dos seus dias. No tocante à manufatura, as primitivas indústrias de beneficiamento da época existiam quase exclusivamente em proveito dos ricos. A grande maioria do povo (90% ou mais da população europeia) trabalhava na terra e não tinha contato com as indústrias de beneficiamento, voltadas para a cidade. Esse rígido sistema da sociedade feudal imperou, por muitos séculos, nas mais desenvolvidas regiões da Europa.

A população rural se expandiu e passou a haver um excesso de gente no campo. Os membros dessa população excedente, sem terras herdadas ou bens, careciam de ocupação. Também não lhes era possível trabalhar nas indústrias de beneficiamento, cujo acesso lhes era vedado pelos reis das cidades. O número desses “párias” crescia incessantemente, sem que todavia ninguém soubesse o que fazer com eles. Eram, no pleno sentido da palavra, “proletários”, e ao governo só restava interná-los em asilos ou casas de correção. Em algumas regiões da Europa, sobretudo nos Países Baixos e na Inglaterra, essa população tornou-se tão numerosa que, no século XVIII, constituía uma verdadeira ameaça à preservação do sistema social vigente.

Outro sério problema era a falta de matérias-primas. Os ingleses eram obrigados a enfrentar a seguinte questão: que faremos, no futuro, quando nossas florestas já não nos derem a madeira de que necessitamos para nossas indústrias e para aquecer nossas casas? Para as classes governantes, era uma situação desesperadora. Os estadistas não sabiam o que fazer e as autoridades em geral não tinham qualquer ideia sobre como melhorar as condições.

Foi dessa grave situação social que emergiram os começos do capitalismo moderno. Dentre aqueles párias, aqueles miseráveis, surgiram pessoas que tentaram organizar grupos para estabelecer pequenos negócios, capazes de produzir alguma coisa. Foi uma inovação. Esses inovadores não produziam artigos caros, acessíveis apenas às classes mais altas, (ao contrario dos nobres que pagavam salários miseráveis para a produção de itens exclusivamente para a nobreza) assim, produziam bens mais baratos, que pudessem satisfazer as necessidades de todos. E foi essa a origem do capitalismo tal como hoje funciona. Foi o começo da produção em massa – princípio básico da indústria capitalista.

Enquanto as antigas indústrias de beneficiamento funcionavam a serviço da gente abastada das cidades, existindo quase que exclusivamente para corresponder às demandas dessas classes privilegiadas, as novas indústrias capitalistas começaram a produzir artigos acessíveis a toda a população. Era a produção em massa, para satisfazer às necessidades das massas.

Este é o princípio fundamental do capitalismo tal como existe hoje em todos os países onde há um sistema de produção em massa extremamente desenvolvido: as empresas de grande porte, alvo dos mais fanáticos ataques desfechados pelos pretensos esquerdistas, produzem quase exclusivamente para suprir a carência das massas.

As empresas dedicadas à fabricação de artigos de luxo, para uso apenas dos abastados, jamais têm condições de alcançar a magnitude das grandes empresas. E, hoje, os empregados das grandes fábricas são, eles próprios, os maiores consumidores dos produtos que nelas se fabricam. Esta é a diferença básica entre os princípios capitalistas de produção e os princípios feudalistas de épocas anteriores.

Quando se pressupõe ou se afirma a existência de uma diferença entre os produtores e os consumidores dos produtos da grande empresa, incorre-se em grave erro. Nas grandes lojas dos Estados Unidos, ouvimos o slogan: “O cliente tem sempre razão.” E esse cliente é o mesmo homem que produz, na fábrica, os artigos à venda naqueles estabelecimentos. Os que pensam que a grande empresa detém um enorme poder também se equivocam, uma vez que a empresa de grande porte é inteiramente dependente da preferência dos que lhes compram os produtos; a mais poderosa empresa perderia seu poder e sua influência se perdesse seus clientes.

Obviamente, do nosso ponto de vista, o padrão de vida dos trabalhadores era extremamente baixo. Mas, se as condições de vida nos primórdios do capitalismo eram absolutamente escandalosas, não era porque as recém-criadas indústrias capitalistas estivessem prejudicando os trabalhadores: as pessoas contratadas pelas fábricas já subsistiam antes em condições praticamente subumanas.

A velha história, repetida centenas de vezes, de que as fábricas empregavam mulheres e crianças que, antes de trabalharem nessas fábricas, viviam em condições satisfatórias, é um dos maiores embustes da história. As mães que trabalhavam nas fábricas não tinham o que cozinhar: não abandonavam seus lares e suas cozinhas para se dirigir às fábricas – corriam a elas porque não tinham cozinhas e, ainda que as tivessem, não tinham comida para nelas cozinharem. E as crianças não provinham de um ambiente confortável: estavam famintas, estavam morrendo.

Hoje, nos países capitalistas, há relativamente pouca diferença entre a vida básica das chamadas classes mais altas e a das mais baixas: ambas têm alimento, roupas e abrigo. Mas no século XVIII, e nos que o precederam, o que distinguia o homem da classe média do da classe baixa era o fato de o primeiro ter sapatos, e o segundo, não. Hoje, nos Estados Unidos, a diferença entre um rico e um pobre reduz-se muitas vezes à diferença entre um Cadillac e um Chevrolet. O Chevrolet pode ser de segunda mão, mas presta a seu dono basicamente os mesmos serviços que o Cadillac poderia prestar, uma vez que também está apto a se deslocar de um local a outro.

A Liberdade.
A livre concorrência não significa que se possa prosperar pela simples imitação ou cópia exata do que já foi feito por alguém. A liberdade de imprensa não significa o direito de copiar o que outra pessoa escreveu, e assim alcançar o sucesso a que o verdadeiro autor fez jus por suas obras. Mas sim, significa, o direito de escrever outra coisa. A liberdade de concorrência no tocante às ferrovias, por exemplo, significa liberdade para inventar alguma coisa que desafie as ferrovias já existentes e as coloque em situação muito precária de competitividade. Nos Estados Unidos, a concorrência que se estabeleceu através dos ônibus, automóveis, caminhões e aviões impôs às estradas de ferro grandes perdas e uma derrota quase absoluta no que diz respeito ao transporte de passageiros. E podemos afirmar que se a pessoas não tivessem o direito de se autodeterminar e procurar inovar segundo seus próprio senso de criatividade, isso jamais teria ocorrido tão rapidamente.

O desenvolvimento do capitalismo consiste em que cada homem tem o direito de servir melhor e/ou mais barato o seu cliente. E, num tempo relativamente curto, esse método, esse princípio, transformou a face do mundo, possibilitando um crescimento sem precedentes da população mundial. Na Inglaterra do século XVIII, o território só podia dar sustento a seis milhões de pessoas, num baixíssimo padrão de vida. Hoje, mais de cinquenta milhões de pessoas aí desfrutam de um padrão de vida que chega a ser superior ao que desfrutavam os ricos no século XVIII. E o padrão de vida na Inglaterra de hoje seria provavelmente mais alto ainda, não tivessem os ingleses dissipado boa parte de sua energia no que, sob diversos pontos de vista, não foram mais que “aventuras” políticas e militares evitáveis.

“Sabe que a população deste planeta é hoje dez vezes maior que nos períodos precedentes ao capitalismo? Sabe que todos os homens usufruem hoje um padrão de vida mais elevado que o de seus ancestrais antes do advento do capitalismo? E como você pode ter certeza de que, se não fosse o capitalismo, você estaria integrando a décima parte da população sobrevivente? Sua mera existência é uma prova do êxito do capitalismo, seja qual for o valor que você atribua à própria vida.”

As investidas contra o capitalismo – especialmente no que se refere aos padrões salariais mais altos – tiveram por origem a falsa suposição de que os salários são, em última análise, pagos por pessoas diferentes daquelas que trabalham nas fábricas. Certamente, nada impede que economistas e estudantes de teorias econômicas tracem uma distinção entre trabalhador e consumidor. Mas o fato é que todo consumidor tem de ganhar, de uma maneira ou de outra, o dinheiro que gasta, e a imensa maioria dos consumidores é constituída precisamente por aquelas mesmas pessoas que trabalham como empregados nas empresas produtoras dos bens que consomem.

Em muitos países há quem considere injusto que um homem obrigado a sustentar uma família numerosa receba o mesmo salário que outro, responsável apenas pela própria manutenção. No entanto, o problema é não questionar se é ao empresário ou não que cabe assumir a responsabilidade pelo tamanho da família de um trabalhador. A pergunta que deve ser feita neste caso é: você, como indivíduo, se disporia a pagar mais por alguma coisa, digamos, um pão, se for informado de que o homem que o fabricou tem seis filhos? Uma pessoa honesta por certo responderia negativamente, dizendo: “Em princípio, sim. Mas na prática tenderia a comprar o pão feito por um homem sem filho nenhum.” O fato é que o empregador a quem os compradores não pagam o suficiente para que ele possa pagar seus empregados se vê na impossibilidade de levar adiante seus negócios.

Quando alguém acumula certa quantidade de dinheiro – mil dólares, digamos – e confia esses dólares, em vez de gastá-los, a uma empresa de poupança ou a uma companhia de seguros, transfere esse dinheiro para um empresário, um homem de negócios, o que vai permitir que esse empresário possa expandir suas atividades e investir num projeto, que na véspera ainda era inviável, por falta do capital necessário. Que fará então o empresário com o capital recém-obtido? Certamente a primeira coisa que fará, o primeiro uso que dará a esse capital suplementar será a contratação de trabalhadores e a compra de matérias-primas – o que promoverá, por sua vez, o surgimento de uma demanda adicional de trabalhadores e matérias-primas, bem como uma tendência à elevação dos salários e dos preços dessas matérias-primas. Muito antes que o poupador ou o empresário tenham obtido algum lucro em tudo isso, o trabalhador desempregado, o produtor de matérias-primas, o agricultor e o assalariado já estarão participando dos benefícios das poupanças adicionais.O que o empresário virá ou não a ganhar com o projeto depende das condições futuras do mercado e de seu talento para prevê-las corretamente. Mas os trabalhadores, assim como os produtores de matéria-prima, auferem as vantagens de imediato.

Muito se falou, trinta ou quarenta anos atrás, sobre a “política salarial” – como a denominavam – de Henry Ford. Uma das maiores façanhas do Sr. Ford consistia em pagar salários mais altos que os oferecidos pelas demais indústrias ou fábricas. Sua política salarial foi descrita como uma “invenção”. Não se pode, no entanto, dizer que essa nova política “inventada” seja simplesmente um fruto da liberalidade do Sr. Ford. Um novo ramo industrial – ou uma nova fábrica num ramo já existente – precisa atrair trabalhadores de outros empregos, de outras regiões do país e até de outros países. E não há outra maneira de fazê-lo senão através do pagamento de salários mais altos aos trabalhadores. Foi o que ocorreu nos primórdios do capitalismo, e é o que ocorre até hoje.

Se consideramos a história do mundo – e em especial a história da Inglaterra a partir de 1865 – verificaremos que Marx estava errado sob todos os aspectos. Não há um só país capitalista em que as condições do povo não tenham melhorado de maneira inédita. Todos esses progressos ocorridos nos últimos oitenta ou noventa anos produziram-se a despeito dos prognósticos de Karl Marx: os socialistas de orientação marxista acreditavam que as condições dos trabalhadores jamais poderiam melhorar. Adotavam uma falsa teoria, a famosa “lei de ferro dos salários”. Segundo esta lei, no capitalismo, os salários de um trabalhador não excederiam a soma que lhe fosse estritamente necessária para manter-se vivo a serviço da empresa. Os marxistas enunciaram sua teoria da seguinte forma: se os padrões salariais dos trabalhadores sobem, com a elevação dos salários, a um nível superior ao necessário para a subsistência, eles terão mais filhos. Esses filhos, ao ingressarem na força de trabalho, engrossarão o número de trabalhadores até o ponto em que os padrões salariais cairão, rebaixando novamente os salários dos trabalhadores a um nível mínimo necessário para a subsistência – àquele nível mínimo de sustento, apenas suficiente para impedir a extinção da população trabalhadora.

Mas essa ideia de Marx, e de muitos outros socialistas, envolve um conceito de trabalhador idêntico ao adotado – justificadamente – pelos biólogos que estudam a vida dos animais. Dos camundongos, por exemplo. Se colocarmos maior quantidade de alimento à disposição de organismos animais, ou de micróbios, maior número deles sobreviverá. Se a restringirmos, restringiremos o número dos sobreviventes. Mas com o homem é diferente. Mesmo o trabalhador – ainda que os marxistas não o admitam – tem carências humanas outras que as de alimento e de reprodução de sua espécie. Um aumento dos salários reais resulta não só num aumento da população; resulta também, e antes de tudo, numa melhoria do padrão de vida média. É por isso que temos hoje, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, um padrão de vida superior ao das nações em desenvolvimento, às da África, por exemplo. Devemos compreender, contudo, que esse padrão de vida mais elevado fundamenta-se na disponibilidade de capital. Isso explica a diferença entre as condições reinantes nos Estados Unidos e as que encontramos na Índia. Neste país foram introduzidos – ao menos em certa medida – modernos métodos de combate a doenças contagiosas, cujo efeito foi um aumento inaudito da população. No entanto, como esse crescimento populacional não foi acompanhado de um aumento correspondente do montante de capital investido no país, o resultado foi um agravamento da miséria. Quanto mais se eleva o capital investido por indivíduo, mais próspero se torna o país.

Mas é preciso lembrar que nas políticas econômicas não ocorrem milagres. Todos leram artigos de jornal e discursos sobre o chamado milagre econômico alemão – a recuperação da Alemanha depois de sua derrota e destruição na Segunda Guerra Mundial. Mas não houve milagre. Houve tão somente a aplicação dos princípios da economia do livre mercado, dos métodos do capitalismo, embora essa aplicação não tenha sido completa em todos os pontos. Todo país pode experimentar o mesmo “milagre” de recuperação econômica, embora eu deva insistir em que esta não é fruto de milagre: é fruto da adoção de políticas econômicas sólidas, pois que é delas que resulta. E apenas uma observação, sem liberdade não é possível o capitalismo, sem as pessoas disporem de seus vontades sem ser impedidos por um ente estatal não há capitalismo. Assim todo o acima relatado não poderia ocorrer de nenhuma forma sem a liberdade econômica, sem o livre mercado. Explicarei melhor no capitulo sobre socialismo onde contrastaremos com o sistema de modo a entender tais fundamentos e suas implicação praticas.

O Socialismo.
Que vem a ser economia livre? Que significa esse sistema de liberdade econômica? A resposta é simples: é a economia de mercado, é o sistema em que a cooperação dos indivíduos na divisão social do trabalho se realiza pelo mercado. E esse mercado não é um lugar: é um processo, é a forma pela qual, ao vender e comprar, ao produzir e consumir, as pessoas estão contribuindo para o funcionamento global da sociedade.

Quando falamos desse sistema de organização econômica – a economia de mercado – empregamos a expressão “liberdade econômica”. Frequentemente as pessoas se equivocam quanto ao seu significado, supondo que liberdade econômica seja algo inteiramente dissociado de outras liberdades, e que estas outras liberdades – que reputam mais importantes – possam ser preservadas mesmo na ausência de liberdade econômica. Mas liberdade econômica significa, na verdade, que é dado às pessoas que a possuem o poder de escolher o próprio modo de se integrar ao conjunto da sociedade. A pessoa tem o direito de escolher sua carreira, tem liberdade para fazer o que quer. Nada há, na natureza, que possa ser chamado de liberdade; há apenas a regularidade das leis naturais, a que o homem é obrigado a obedecer para alcançar qualquer coisa. Quando se trata de seres humanos, atribuímos à palavra liberdade o significado exclusivo de liberdade na sociedade. Não obstante, muitos dos pretensos liberais de nossos dias sustentam a ideia muito difundida de que as liberdades de expressão, de pensamento, de imprensa, de culto, de encarceramento sem julgamento podem, todas elas, ser preservadas mesmo na ausência do que se conhece como liberdade econômica. Não se dão conta de que, num sistema desprovido de mercado, em que o governo determina tudo, todas essas outras liberdades são ilusórias, ainda que postas em forma de lei e inscritas na constituição.

Tomemos como exemplo a liberdade de imprensa. Se o governo for o dono de todas as máquinas impressoras, o governo determinará o que deve e o que não deve ser impresso. Nesse caso, a possibilidade de se publicar qualquer tipo de crítica às ideias oficiais torna-se praticamente nula. A liberdade de imprensa desaparece. E o mesmo se aplica a todas as demais liberdades.

Quando há economia de mercado, o indivíduo tem a liberdade de escolher qualquer carreira que deseje seguir, de escolher seu próprio modo de inserção na sociedade. Num sistema socialista é diferente: as carreiras são decididas por decreto do governo. Este pode ordenar às pessoas que não lhe sejam gratas, àquelas cuja presença não lhe pareça conveniente em determinadas regiões, que se mudem para outras regiões e outros lugares. E sempre há como justificar e explicar semelhante procedimento: declara-se que o plano governamental exige a presença desse eminente cidadão a cinco mil milhas de distância do local onde ele estava sendo ou poderia ser incômodo aos detentores do poder.

É verdade que a liberdade possível numa economia de mercado não é uma liberdade perfeita no sentido metafísico. Mas a liberdade perfeita não existe. É só no âmbito da sociedade que a liberdade tem algum significado. Os pensadores que desenvolveram, no século XVIII, a ideia da “lei natural” – sobretudo Jean-Jacques Rousseau – acreditavam que um dia, num passado remoto, os homens haviam desfrutado de algo chamado liberdade “natural”. Mas nesses tempos remotos os homens não eram livres – estavam à mercê de todos os que fossem mais fortes que eles mesmos. As famosas palavras de Rousseau: “O homem nasceu livre e se encontra acorrentado em toda parte”, talvez soem bem, mas na verdade o homem não nasceu livre. Nasceu como uma frágil criança de peito. Sem a proteção dos pais, sem a proteção proporcionada a esses pais pela sociedade, não teria podido sobreviver.

Liberdade na sociedade significa que um homem depende tanto dos demais como estes dependem dele. A sociedade, quando regida pela economia de mercado, pelas condições da economia livre, apresenta uma situação em que todos prestam serviços aos seus concidadãos e são, em contrapartida, por eles servidos. Acredita-se, que existem na economia de mercado chefões que não dependem da boa vontade e do apoio dos demais cidadãos. Os capitães de indústria, os homens de negócios, os empresários seriam os verdadeiros chefões do sistema econômico. Mas isso é uma ilusão. Quem manda no sistema econômico são os consumidores. Se estes deixam de prestigiar um ramo de atividades, os empresários deste ramo são compelidos ou a abandonar sua eminente posição no sistema econômico, ou a ajustar suas ações aos desejos e às ordens dos consumidores.

Uma das mais notórias divulgadoras do comunismo foi Beatrice Potter, nome de solteira de Lady Passfield (tambem muito conhecida por conta de seu marido Sidney Webb). Essa senhora, filha de um rico empresário, trabalhou quando jovem como secretária do pai. Em suas memórias, ela escreve: “Nos negócios de meu pai, todos tinham de obedecer às ordens dadas por ele, o chefe. Só a ele competia dar ordens, e a ele ninguém dava ordem alguma.” Esta é uma visão muito acanhada. Seu pai recebia ordens: dos consumidores, dos compradores. Lamentavelmente, ela não foi capaz de perceber essas ordens; não foi capaz de perceber o que ocorre numa economia de mercado, exclusivamente voltada que estava para as ordens expedidas dentro dos escritórios ou da fábrica do pai.

O Direito de ser Tolo
O fato é que, no sistema capitalista, os chefes, em última instância, são os consumidores. Não é o estado, é o povo que é soberano. Prova disto é o fato de que lhe assiste, ao povo, o direito de ser tolo em um sistema de livre mercado. Este é o privilégio do soberano em um Estado forte e concentrado e não do povo, ou seja, assiste-lhe o direito de cometer erros: ninguém o pode impedir de cometê-los, embora, obviamente, deva pagar por eles.

Quando afirmamos que o consumidor é supremo ou soberano, não estamos afirmando que está livre de erros que sempre sabe o que melhor lhe conviria. Muitas vezes os consumidores compram ou consomem artigos que não deviam comprar ou consumir. Mas a ideia de que uma forma capitalista de governo pode impedir, através de um controle sobre o que as pessoas consomem, que elas se prejudiquem, é falsa. A visão do governo como uma autoridade paternal, um guardião de todos, é própria dos adeptos do socialismo.

Nos Estados Unidos, o governo empreendeu certa feita, há alguns anos, uma experiência que foi qualificada de “nobre”. Essa “nobre experiência” consistiu numa lei que declarava ilegal o consumo de bebidas tóxicas. Não há dúvida de que muita gente se prejudica ao beber conhaque e whisky em excesso. Algumas autoridades nos Estados Unidos são contrárias até mesmo ao fumo. Certamente há muitas pessoas que fumam demais, não obstante o fato de que não fumar seria melhor para elas. Isso suscita um problema que transcende em muito a discussão econômica: põe a nu o verdadeiro significado da liberdade. Se admitirmos que é bom impedir que as pessoas se prejudiquem bebendo ou fumando em excesso, haverá quem pergunte: “Será que o corpo é tudo? Não seria a mente do homem muito mais importante? Não seria a mente do homem o verdadeiro dom, o verdadeiro predicado humano?” Se dermos ao governo o direito de determinar o que o corpo humano deve consumir, de determinar se alguém deve ou não fumar, deve ou não beber, nada poderemos replicar a quem afirme: “Mais importante ainda que o corpo é a mente, é a alma, e o homem se prejudica muito mais ao ler maus livros, ouvir música ruim e assistir a maus filmes. É, pois, dever do governo impedir que se cometam esses erros.” E, como todos sabem, por centenas de anos os governos e as autoridades acreditaram que esse era de fato o seu dever. Nem isso aconteceu apenas em épocas remotas. Não faz muito tempo, houve na Alemanha um governo que considerava seu dever discriminar as boas e as más pinturas – boas e más, é claro, do ponto de vista de um homem que, na juventude, fora reprovado no exame de admissão à Academia de Arte, em Viena: era o bom e o mau segundo a ótica de um pintor de cartão-postal. E tornou-se ilegal expressar concepções sobre arte e pintura que divergissem daquelas do Führer supremo.

Mas ninguém deve tentar policiar os outros no intuito de impedi-los de fazer determinadas coisas simplesmente porque não se quer que as pessoas tenham a liberdade de fazê-las. A partir do momento em que começamos a admitir que é dever do governo controlar o consumo de álcool do cidadão, que podemos responder a quem afirme ser o controle dos livros e das ideias muito mais importante?

Liberdade significa realmente liberdade para errar. Isso precisa ser bem compreendido. Podemos ser extremamente críticos com relação ao modo como nossos concidadãos gastam seu dinheiro e vivem sua vida. Podemos considerar o que fazem absolutamente insensato e mau. Numa sociedade livre, todos têm, no entanto, as mais diversas maneiras de manifestar suas opiniões sobre como seus concidadãos deveriam mudar seu modo de vida: eles podem escrever livros; escrever artigos; fazer conferências. Podem até fazer pregações nas esquinas, se quiserem – e faz-se isso, em muitos países.

É essa a diferença entre escravidão e liberdade. O escravo é obrigado a fazer o que seu superior lhe ordena que faça, enquanto o cidadão livre – e é isso que significa liberdade – tem a possibilidade de escolher seu próprio modo de vida. Lembre-se aqui, como já vimos anteriormente, essas ideias é sempre partindo da ideia de indivíduos como fim em si mesmo, indivíduos dispondo de suas próprias vida, de modo algum aqui se fala em indivíduos prejudicando a vida de outrem.

Mobilidade Social 
Que significa isso? Quando Karl Marx – no primeiro capítulo do Manifesto Comunista, esse pequeno panfleto que inaugurou seu movimento socialista – sustentou a existência de um conflito inconciliável entre as classes, só pode evocar, como ilustração à sua tese, exemplos tomados das condições da sociedade pré-capitalista. Nos estágios pré-capitalistas, a sociedade se dividia em grupos hereditários de status, na Índia denominados “castas”. Numa sociedade de status, um homem não nascia, por exemplo, cidadão francês; nascia na condição de membro da aristocracia francesa, ou da burguesia francesa, ou do campesinato francês. Durante a maior parte da Idade Média, era simplesmente um servo. E a servidão, na França, ainda não havia sido inteiramente extinta mesmo depois da Revolução Americana. Em outras regiões da Europa, a sua extinção ocorreu ainda mais tarde. Mas a pior forma de servidão – forma que continuou existindo mesmo depois da abolição da escravatura – era a que tinha lugar nas colônias inglesas. O indivíduo herdava seu status dos país e o conservava por toda a vida. Transferia-o aos filhos. Cada grupo tinha privilégios e desvantagens. Os de status mais elevado tinham apenas privilégios, os de status inferior, só desvantagens. E não restava ao homem nenhum outro meio de escapar às desvantagens legais impostas por seu status senão a luta política contra as outras classes. Nessas condições, pode-se dizer que havia “um conflito inconciliável de interesses entre senhores de escravos e escravos”, porque o interesse dos escravos era livrar-se da escravidão, da qualidade de escravos. E sua liberdade significava, para os seus proprietários, uma perda. Assim sendo, não há dúvida de que tinha de existir forçosamente um conflito inconciliável de interesses entre os membros das várias classes.

É difícil avaliar o quanto essa situação era diversa da atual. Se venho dos Estados Unidos para a Argentina e vejo um homem na rua, não posso dizer qual é seu status. Concluo apenas que é um cidadão argentino, não pertencente a nenhum grupo sujeito a restrições legais. Isto é algo que o capitalismo nos trouxe. Sem dúvida há também diferenças entre as pessoas no capitalismo. Há diferenças em relação à riqueza; diferenças estas que os marxistas, equivocadamente, consideram equivalentes àquelas antigas que separavam os homens na sociedade de status.

Numa sociedade capitalista, as diferenças entre os cidadãos não são como as que se verificam numa sociedade de status. Na Idade Média – e mesmo bem depois, em muitos países – uma família podia ser aristocrata e possuidora de grande fortuna, podia ser uma família de duques, ao longo de séculos e séculos, fossem quais fossem suas qualidades, talentos, caráter ou moralidade. Já nas modernas condições capitalistas, verifica-se o que foi tecnicamente denominado pelos sociólogos de “mobilidade social”. O princípio segundo o qual a mobilidade social opera, nas palavras do sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto, é o da “circulation des élites” (“circulação das elites”). Isso significa que haverá sempre no topo da escada social pessoas ricas, politicamente importantes, mas essas pessoas – essas elites – estão em contínua mudança. Isto se aplica perfeitamente a uma sociedade capitalista. Não se aplicaria a uma sociedade pré-capitalista de status. As famílias consideradas as grandes famílias aristocráticas da Europa permanecem as mesmas até hoje, ou melhor, são formadas hoje pelos descendentes de famílias que constituíam a nata na Europa, há oito, dez ou mais séculos. Os Capetos de Bourbon – que por um longo período dominaram a Argentina – já eram uma casa real desde o século X. Reinavam sobre o território hoje chamado Ile-de-France, ampliando seu reino a cada geração. Mas numa sociedade capitalista há uma continua mobilidade – pobres que enriquecem e descendentes de gente rica que perdem a fortuna e se tornam pobres.Vi numa livraria de uma rua do centro de Buenos Aires, a biografia de um homem que viveu na Europa do século XIX, e que foi tão eminente, tão importante, tão representativo dos altos negócios europeus naquela época, que até hoje, aqui neste país tão distante da Europa, encontram-se à venda exemplares da história de sua vida. Tive a oportunidade de conhecer o neto desse homem. Tem o mesmo nome do avô e conserva o direito de usar o título nobiliário que este – que começou a vida como ferreiro – recebeu oitenta anos atrás. Hoje esse seu neto é um fotógrafo pobre na cidade de Nova York. Outras pessoas, pobres à época em que o avô desse fotógrafo se tornou um dos maiores industriais da Europa, são hoje capitães de indústria. Todos são livres para mudar seu status, é isso que distingue o sistema de status do sistema capitalista de liberdade econômica, em que as pessoas só podem culpar a si mesmas se não chegam a alcançar a posição que almejam.

O mais famoso industrial do século XX continua sendo Henry Ford. Ele começou com umas poucas centenas de dólares emprestados por amigos e, em muito pouco tempo, implantou um dos mais importantes empreendimentos de grande vulto do mundo. E podemos encontrar centenas de casos semelhantes todos os dias. Diariamente o New York Times publica longas notas sobre pessoas que faleceram. Lendo essas biografias, podemos deparar, por exemplo, com o nome de um eminente empresário que tenha iniciado a vida como vendedor de jornais nas esquinas de Nova York. Ou com outro que tenha iniciado como contínuo e, por ocasião de sua morte, era o presidente da mesma instituição bancária onde começara no mais baixo degrau da hierarquia. Evidentemente, nem todos conseguem alcançar tais posições. Nem todos querem alcançá-las. Há pessoas mais interessadas em outras coisas: para elas, no entanto, há hoje certos caminhos que não estavam abertos nos tempos da sociedade feudal, na época da sociedade de status.

O sistema socialista, contudo, proíbe essa liberdade fundamental que é a escolha da própria carreira. Nas condições socialistas há uma única autoridade econômica, e esta detém o poder de determinar todas as questões atinentes à produção. Um dos traços característicos de nossos dias é o uso de muitos nomes para designar uma mesma coisa. Um sinônimo de socialismo e comunismo é “planejamento”. Quando falam de “planejamento”, as pessoas se referem, evidentemente, a um planejamento central, o que significa um plano único, feito pelo governo – um plano que impede todo planejamento feito por outra pessoa.

Na verdade, a escolha está entre o planejamento total feito por uma autoridade governamental central e a liberdade de cada indivíduo para traçar os próprios planos, fazer o próprio planejamento. O indivíduo planeja sua vida todos os dias, alterando seus planos diários sempre que queira. O homem livre planeja diariamente, segundo suas necessidades. Dizia, ontem, por exemplo: “Planejo trabalhar pelo resto dos meus dias em Córdoba.” Agora, informado de que as condições em Buenos Aires estão melhores, muda seus planos e diz: “Em vez de trabalhar em Córdoba, quero ir para Buenos Aires.” É isso que significa liberdade. Pode ser que ele esteja enganado, pode ser que essa ida para Buenos Aires se revele um erro. Talvez as condições lhe tivessem sido mais propicias em Córdoba, mas ele foi o autor dos próprios planos.

Submetido ao planejamento governamental, o homem é como um soldado num exército. Não cabe a um soldado o direito de escolher sua guarnição, a praça onde servirá. Cabe-lhe cumprir ordens. E o sistema socialista – como o sabiam e admitiam Karl Marx, Lenin e todos os líderes socialistas – consiste na transposição do regi-me militar a todo o sistema de produção. Marx falou de “exércitos industriais” e Lenin impôs “a organização de tudo – o correio, as manufaturas e os demais ramos industriais – segundo o modelo do exército”. Portanto, no sistema socialista, tudo depende da sabedoria, dos talentos e dos dons daqueles que constituem a autoridade suprema. O que o ditador supremo – ou seu comitê – não sabe, não é levado em conta.

Mas o conhecimento acumulado pela humanidade em sua longa história não é algo que uma só pessoa possa deter. Acumulamos, ao longo dos séculos, um volume tão incomensurável de conhecimentos científicos e tecnológicos, que se torna humanamente impossível a um indivíduo o domínio de todo esse cabedal, por extremamente bem-dotado que ele seja. Acresce que os homens são diferentes, desiguais. E sempre o serão. Alguns são mais dotados em determinado aspecto, menos em outro. E há os que têm o dom de descobrir novos caminhos, de mudar os rumos do conhecimento.

Nas sociedades capitalistas, o progresso tecnológico e econômico é promovido por esses homens. Quando alguém tem uma ideia, procura encontrar algumas outras pessoas argutas o suficiente para perceberem o valor de seu achado. Alguns capitalistas que ousam perscrutar o futuro, que se dão conta das possíveis consequências dessa ideia, começarão a pô-la em prática. Outros, a princípio, poderão dizer: “são uns loucos”, mas deixarão de dizê-lo quando constatarem que o empreendimento que qualificavam de absurdo ou loucura está florescendo, e que toda gente está feliz por comprar seus produtos. No sistema marxista, por outro lado, o corpo governamental supremo deve primeiro ser convencido do valor de uma ideia antes que ela possa ser levada adiante. Isso pode ser algo muito difícil, uma vez que o grupo detentor do comando – ou o ditador supremo em pessoa – tem o poder de decidir. E se essas pessoas – por razões de indolência, senilidade, falta de inteligência ou de instrução – forem incapazes de compreender o significado da nova ideia, o novo projeto não será executado.

Podemos evocar exemplos da história militar. Napoleão era indubitavelmente um gênio em questões militares; não obstante, viu-se certa feita diante de um grave problema. Sua incapacidade para resolvê-lo culminou na sua derrota e no subsequente exílio na solidão de Santa Helena. O problema de Napoleão podia-se resumir a uma pergunta: “Como conquistar a Inglaterra?”. Para fazê-lo, precisava de uma esquadra capaz de cruzar o canal da Mancha. Houve, então, pessoas que lhe garantiram conhecer um meio seguro de levar a cabo aquela travessia; estas pessoas, numa época de embarcações a vela, traziam a nova ideia de barcos movidos a vapor. Mas Napoleão não compreendeu sua proposta.

Muitos pintores, poetas, escritores e compositores já se queixaram de que o público não reconhecia sua obra, o que os obrigava a permanecerem na pobreza. Não há dúvida de que o público pode ter julgado mal; mas, quando promulgam que “o governo deve subsidiar os grandes artistas, pintores e escritores”, esses artistas estão completamente errados. A quem deveria o governo confiar a tarefa de decidir se determinado estreante é ou não, de fato, um grande pintor? Teria de se valer da apreciação dos críticos e dos professores de história da arte, que, sempre voltados para o passado, até hoje deram raras mostras de talento no que tange à descoberta de novos gênios. Essa é a grande diferença entre um sistema de “planejamento” e um sistema em que é dado a cada um planejar e agir por conta própria.

É verdade, obviamente, que grandes pintores e grandes escritores suportaram, muitas vezes, situações de extrema penúria. Podem ter tido êxito em sua arte, mas nem sempre em ganhar dinheiro. Van Gogh foi por certo um grande pintor. Teve de sofrer agruras insuportáveis e acabou por se suicidar, aos 37 anos de idade. Em toda a sua existência, vendeu apenas uma tela, comprada por um primo. Afora essa única venda, viveu do dinheiro do irmão, que, apesar de não ser artista nem pintor, compreendia as necessidades de um pintor. Hoje, não se compra um Van Gogh por menos de cem ou duzentos mil dólares.

No sistema socialista, o destino de Van Gogh poderia ter sido diverso. Algum funcionário do governo teria perguntado a alguns pintores famosos (a quem Van Gogh seguramente nem sequer teria considerado artistas) se aquele jovem, um tanto louco, ou completamente louco, era de fato um pintor que valesse a pena subsidiar. E com toda certeza eles teriam respondido: “Não, não é um pintor; não é um artista; não passa de uma criatura que desperdiça tinta”, e o teriam enviado a trabalhar numa indústria de laticínios, ou para um hospício. Todo esse entusiasmo pelo socialismo manifestado pelas novas gerações de pintores, poetas, músicos, jornalistas, atores, baseia-se, portanto, numa ilusão.

O Calculo Financeiro.
No instante mesmo em que se abolir o mercado – e é o que os socialistas gostariam de fazer – ficariam inutilizados todos os cômputos e cálculos feitos pelos engenheiros e tecnólogos. Os tecnólogos podem continuar fornecendo grande número de projetos que, do ponto de vista das ciências naturais, podem ser todos igualmente exequíveis, mas são os cálculos baseados no mercado – realizados pelo homem de negócios – que são indispensáveis para se determinar qual desses projetos é o mais vantajoso do ponto de vista econômico. Confrontados com esse novo problema, os teóricos do socialismo, sem resposta, acabaram por concluir: “não aboliremos o mercado por completo; faremos de conta que existe um mercado, como as crianças, quando brincam de escolinha.” A questão é que, todos sabem, as crianças quando brincam de escolinha não aprendem coisa alguma. É só uma brincadeira, uma simulação, e se pode “simular” muitas coisas.

“E a Rússia? Como enfrentam os russos esse problema?” Nesse caso, a questão muda de figura. Os russos gerem seu sistema socialista no âmbito de um mundo em que existem preços para todos os fatores de produção, para todas as matérias-primas, para tudo. Por conseguinte, podem utilizar, em seu planejamento, os preços do mercado mundial. E, visto que há certas diferenças entre as condições reinantes na Rússia e as reinantes nos Estados Unidos, frequentemente o resultado é que, para os russos, parece justificável e aconselhável – de seu ponto de vista econômico – algo que, para os americanos, absolutamente não se justificaria economicamente.

Capitalismo ou Socialismo?
O que se deveria afirmar – e seria muito mais correto – é: “O socialismo na Rússia não ocasionou, em média, uma melhoria das condições do homem comparável à melhoria de condições verificada, no mesmo período, nos Estados Unidos.” Nos Estados Unidos, quase toda semana tem-se notícia de um novo invento, de um aperfeiçoamento.

Muitos aperfeiçoamentos foram gerados no mundo empresarial, porque milhares e milhares de industriais estão empenhados, noite e dia, em descobrir algum novo produto que satisfaça o consumidor, ou seja de produção menos dispendiosa, ou seja melhor e menos oneroso que os produtos já existentes.
Não é o altruísmo que os move; é seu desejo de ganhar dinheiro. E o efeito foi que o padrão de vida se elevou, nos Estados Unidos, a níveis quase miraculosos quando confrontados às condições reinantes há cinquenta ou cem anos atrás.

Há mais uma coisa a ser mencionada. O consumidor americano, o indivíduo, é tanto um comprador como um patrão. Ao sair de uma loja nos Estados Unidos, é comum vermos um cartaz com os seguintes dizeres: “Gratos pela preferência. Volte sempre”. Mas ao entrarmos numa loja de um país totalitário – seja a Rússia, seja a Alemanha de Hitler –, o gerente nos dirá: “Agradeça ao grande líder, que lhe está proporcionando isso.” Nos países socialistas, ao invés de ser o vendedor, é o comprador que deve ficar agradecido. Não é o cidadão quem manda; quem manda é o Comitê Central, o Gabinete Central. Estes comitês, os líderes, os ditadores, são supremos; ao povo cabe simplesmente obedecer-lhes.

O Intervecionismo.
Diz uma frase famosa, muito citada: “O melhor governo é o que menos governa”. Esta não me parece uma caracterização adequada das funções de um bom governo. Compete a ele fazer todas as coisas para as quais ele é necessário e para as quais foi instituído. T em o dever de proteger as pessoas dentro do país contra as investidas violentas e fraudulentas de bandidos, bem como de defender o país contra inimigos externos. São estas as funções do governo num sistema livre, no sistema da economia de mercado.

Mas na economia de mercado, a principal incumbência do governo é proteger o funcionamento harmônico desta economia contra a fraude ou a violência originadas dentro ou fora do país. Os que discordam desta definição das funções do governo poderão dizer: “Este homem abomina o governo”. Nada poderia estar mais longe da verdade. Se digo que a gasolina é um líquido de grande serventia, útil para muitos propósitos, mas que, não obstante, eu não a beberia, por não me parecer esse o uso próprio para o produto, não me converto por isso num inimigo da gasolina, nem se poderia dizer que odeio a gasolina. Digo apenas que ela é muito útil para determinados fins, mas inadequada para outros. Se digo que é dever do governo prender assassinos e demais criminosos, mas que não é seu dever abrir estradas ou gastar dinheiro em inutilidades, não quer dizer que eu odeie o governo apenas por afirmar que ele está qualificado para fazer determinadas coisas, mas não o está para outras.
Vamos analisar brevemente a ideia de privatização e estatização sobre o prisma do déficit. Primeiramente é preciso ter em mente que o governo pode administrar uma empresa com déficit, ou seja, sem dar lucro mas sim prejuízos, explicaremos melhor como isso ocorre adiante.  Observe que, por outro lado a situação do indivíduo é bem diversa. Sua capacidade de gerir um empreendimento deficitário é muito restrita. Se o déficit não for logo eliminado, e se a empresa não se tomar lucrativa, o indivíduo vai à falência e a empresa acaba. Já o governo goza de condições diferentes. Pode ir em frente com um déficit, porque tem o poder de impor tributos à população. E se os contribuintes se dispuserem a pagar impostos mais elevados para permitir ao governo administrar uma empresa deficitária – isto é, administrar com menos eficiência do que o faria uma instituição privada –, ou seja, se o público tolerar esse prejuízo, então obviamente a empresa se manterá em atividade. Na maioria dos países, procedeu-se à estatização de um número crescente de instituições e empresas, a tal ponto que os déficits cresceram muito além do montante possível de ser arrecadado dos cidadãos através de impostos.

O intervencionismo revela um governo desejoso de fazer mais. Quando falamos de intervencionismo, e definimos o significado do termo, referimo-nos à interferência governamental no mercado. (Que o governo e a polícia se encarreguem de proteger os cidadãos, e entre eles os homens de negócio e, evidentemente, seus empregados, contra ataques de bandidos nacionais ou do exterior, é efetivamente uma expectativa normal e necessária, algo a se esperar de qualquer governo. Essa proteção não constitui uma intervenção, pois a única função legítima do governo é, precisamente, produzir segurança.) Quando falamos de intervencionismo, referimo-nos ao desejo que experimenta o governo de fazer mais que impedir assaltos e fraudes. O intervencionismo significa que o governo não somente fracassa em proteger o funcionamento harmonioso da economia de mercado, como também interfere em vários fenômenos de mercado: interfere nos preços, nos padrões salariais, nas taxas de juro e de lucro.

O governo quer interferir com a finalidade de obrigar os homens de negócio a conduzir suas atividades de maneira diversa da que escolheriam caso tivessem de obedecer apenas aos consumidores. Assim, todas as medidas de intervencionismo governamental têm por objetivo restringir a supremacia do consumidor. O governo quer arrogar a si mesmo o poder – ou pelo menos parte do poder – que, na economia de mercado livre, pertence aos consumidores. Consideremos um exemplo de intervencionismo bastante conhecido em muitos países e experimentado, vezes sem conta, por inúmeros governos, especialmente em tempos de inflação. Refiro-me ao controle de preços. Em geral, os governos recorrem ao controle de preços depois de terem inflacionado a oferta de moeda e de a população ter começado a se queixar do decorrente aumento dos preços. Analisemos agora as razões desse fracasso. O governo ouve as queixas do povo de que o preço do leite subiu. E o leite é, sem dúvida, muito importante, sobretudo para a geração em crescimento, para as crianças. Por conseguinte, estabelece um preço máximo para esse produto, preço máximo que é inferior ao que seria o preço potencial de mercado. Então o governo diz: “Estamos certos de que fizemos tudo o que era preciso para permitir aos pobres a compra de todo o leite de que necessitam para alimentar os filhos”.

Mas que acontece? Por um lado, o menor preço do leite provoca o aumento da demanda do produto; pessoas que não tinham meios de comprá-lo a um preço mais alto, podem agora fazê-lo ao preço reduzido por decreto oficial. Por outro lado, parte dos produtores de leite, aqueles que estão produzindo a custos mais elevados – isto é, os produtores marginais – começam a sofrer prejuízos, visto que o preço decretado pelo governo é inferior aos custos do produto. Este é o ponto crucial na economia de mercado. O empresário privado, o produtor privado, não pode sofrer prejuízo no cômputo final de suas atividades. E como não pode ter prejuízos com o leite, restringe a venda deste produto para o mercado. Pode vender algumas de suas vacas para o matadouro; pode também, em vez de leite, fabricar e vender derivados do produto, como coalhada, manteiga ou queijo. A interferência do governo no preço do leite redunda, pois, em menor quantidade do produto do que a que havia antes, redução que é concomitante a uma ampliação da demanda.

Algumas pessoas dispostas a pagar o preço decretado pelo governo não conseguirão comprar leite. Outro efeito é a precipitação de pessoas ansiosas por chegarem em primeiro lugar às lojas. São obrigadas a esperar do lado de fora. As longas filas diante das lojas parecem sempre um fenômeno corriqueiro numa cidade em que o governo tenha decretado preços máximos para as mercadorias que lhe pareciam importantes.

Foi o que se passou em todos os lugares onde o preço do leite foi controlado. Por outro lado, isso foi sempre prognosticado pelos economistas – obviamente apenas pelos economistas sensatos, que, aliás, não são muito numerosos. Mas qual é a consequência do controle governamental de preços? O governo se frustra. Pretendia aumentar a satisfação dos consumidores de leite, mas na verdade, descontentou-os. Antes de sua interferência, o leite era caro, mas era possível comprá-lo. Agora a quantidade disponível é insuficiente. Com isso, o consumo total se reduz. As crianças passam a tomar menos leite, e chegam a não mais tomá-lo. A medida a que o governo recorre em seguida é o racionamento. Mas racionamento significa tão somente que algumas pessoas são privilegiadas e conseguem obter leite, enquanto outras ficam sem nenhum. Quem obtém e quem não obtém é obviamente algo sempre determinado de forma muito arbitrária. Pode ser estipulado, por exemplo, que crianças com menos de quatro anos de idade devem tomar leite, e aquelas com mais de quatro, ou entre quatro e seis, devem receber apenas a metade da ração a que as menores fazem jus.

Faça o governo o que fizer, permanece o fato de que só há disponível uma menor quantidade de leite. Consequentemente, a população está ainda mais insatisfeita que antes. O governo pergunta, então, aos produtores de leite (porque não tem imaginação suficiente para descobrir por si mesmo): “Por que não produzem a mesma quantidade que antes?”. Obtém a resposta: “É impossível, uma vez que os custos de produção são superiores ao preço máximo fixado pelo governo”. As autoridades se põem em seguida a estudar os custos dos vários fatores de produção, vindo a descobrir que um deles é a ração. “Pois bem”, diz o governo, “o mesmo controle que impusemos ao leite, vamos aplicar agora à ração. Determinaremos um preço máximo para ela e os produtores de leite poderão alimentar seu gado a preços mais baixos, com menor dispêndio. Com isto, tudo se resolverá: os produtores de leite terão condições de produzir em maior quantidade e venderão mais.” Que acontece nesse caso? Repete-se, com a ração, a mesma história acontecida com o leite, e, como é fácil depreender, pelas mesmíssimas razões. A produção de ração diminui e as autoridades se veem novamente diante de um dilema.

O governo considerava esses artigos tão importantes que interferiu; queria torná-los mais abundantes, ampliar sua oferta. O resultado foi o contrário: a interferência isolada deu origem a uma situação que – do ponto de vista do governo – é ainda mais indesejável que a anterior, que se pretendia alterar. E o governo acabará por chegar a um ponto em que todos os preços, padrões salariais, taxas de juro, em suma, tudo o que compõe o conjunto do sistema econômico, é determinado por ele. E isso, obviamente, é socialismo.

Intervencionismo  Na Alemanha Nazista
Antes da ascensão de Hitler ao poder, o controle de preços foi mais uma vez introduzido na Alemanha pelo chanceler Brüning, pelas razões de costume. O próprio Hitler aplicou-o antes mesmo do início da guerra: na Alemanha de Hitler não havia empresa privada ou iniciativa privada. Na Alemanha de Hitler havia um sistema de socialismo que só diferia do sistema russo na medida em que ainda eram mantidos a terminologia e os rótulos do sistema de livre economia. Ainda existiam “empresas privadas”, como eram denominadas. Mas o proprietário já não era um empresário; chamavam-no “gerente” ou “chefe” de negócios (Betriebsführer).

Todo o país foi organizado numa hierarquia de führers; havia o Führer supremo, obviamente Hitler, e em seguida uma longa sucessão de führers, em ordem decrescente, até os führers do último escalão. E, assim, o dirigente de uma empresa era o Betriebsführer. O conjunto de seus empregados, os trabalhadores da empresa, era chamado por uma palavra que, na Idade Média, designara o séquito de um senhor feudal: o Gefolgschaft. E toda essa gente tinha de obedecer às ordens expedidas por uma instituição que ostentava o nome assustadoramente longo de Reichsführerwirtschaftsministerium (Ministério da Economia do Império), a cuja frente estava o conhecido gorducho Goering, enfeitado de joias e medalhas. E era desse corpo de ministros de nome tão comprido que emanavam todas as ordens para todas as empresas: o que produzir, em que quantidade, onde comprar matérias-primas e quanto pagar por elas, a quem vender os produtos e a que preço. Os trabalhadores eram designados para determinadas fábricas e recebiam salários decretados pelo governo. Todo o sistema econômico era agora regulado, em seus mínimos detalhes, pelo governo.

O Betriebsführer não tinha o direito de se apossar dos lucros; recebia o equivalente a um salário e, se quisesse receber uma soma maior, diria, por exemplo: “Estou muito doente, preciso me submeter a uma operação imediatamente, e isso custará quinhentos marcos”. Nesse caso, era obrigado a consultar o führers do distrito (o Gauführer ou Gauleiter), que o autorizaria – ou não – a fazer uma retirada superior ao salário que lhe era destinado. Os preços já não eram preços, os salários já não eram salários – não passavam de expressões quantitativas num sistema de socialismo.

A Grã-Bretanha não foi conduzida ao socialismo pelo governo do Partido Trabalhista, estabelecido em 1945. Ela se tornou socialista durante a guerra, ao longo do governo que tinha à frente, como primeiro-ministro, Sir Winston Churchill. O governo trabalhista simplesmente manteve o sistema de socialismo já introduzido pelo governo de Sir Winston Churchill. E isso a despeito da grande resistência do povo. As estatizações efetuadas na Grã-Bretanha não tiveram grande significado. A estatização do Banco da Inglaterra foi inócua visto que essa instituição financeira já estava sob completo controle governamental. E o mesmo se deu com a estatização das estradas de ferro e da indústria do aço. O “socialismo de guerra”, como era chamado – denotando o sistema de intervencionismo implantando passo a passo – já estatizara praticamente todo o sistema.

A diferença entre o sistema alemão e o britânico não foi significativa, porquanto seus gestores tinham sido designados pelo governo e, em ambos os casos, eram obrigados a cumprir as ordens do governo em todos os detalhes. Como eu disse antes, o sistema dos nazistas alemães conservou os rótulos e termos da economia capitalista de livre mercado. Mas essas expressões adquiriram um significado muito diverso: já não passavam agora de decretos governamentais.

Ao longo de séculos, manteve-se a doutrina – afirmada e acatada por todos – de que um rei, um rei ungido, era o mensageiro de Deus; era mais sábio que os seus súditos e possuía poderes sobrenaturais. Até princípios do século XIX, pessoas que sofriam certas doenças esperavam ser curadas pelo simples toque da mão do rei. Os médicos costumavam ser mais eficazes: mesmo assim, permitiam aos seus pacientes experimentar o rei. Essa doutrina da superioridade de um governo paternal e dos poderes sobre-humanos dos reis hereditários extinguiu-se gradativamente – ou, pelo menos, assim imaginávamos. Mas ela ressurgiu. O professor alemão Werner Sombart (a quem conheci muito bem), homem de renome mundial, foi doutor honoris causa de várias universidades e membro honorário da American Economic Association. Esse professor escreveu um livro que tem tradução para o inglês – publicada pela Princeton University Press –, para o francês e provavelmente também para o espanhol. Ou melhor, espero que tenha, para que todos possam conferir o que vou dizer. Nesse livro, publicado não nas “trevas” da Idade Média, mas no nosso século, esse professor de economia diz simplesmente o seguinte: “O Führer, nosso Führer” – refere-se, é claro, a Hitler – “recebe instruções diretamente de Deus, o Führer do universo”.

Já me referi antes a essa hierarquia de führers e nela situei Hitler como o “Führer Supremo”. Mas, ao que nos informa Werner Sombart, há um Führer em posição ainda mais elevada. Deus, o Führer do universo. E Deus, escreve ele, transmite suas instruções dire-tamente a Hitler. Naturalmente, o professor Sombart não deixou de acrescentar, com muita modéstia: “não sabemos como Deus se comunica com o Führer. Mas o fato não pode ser negado.”
Ora, se ficamos sabendo que semelhante livro pôde ser publicado em alemão – a língua de um país outrora exaltado como “a nação dos filósofos e dos poetas” –, e o vemos traduzido em inglês e francês, já não nos espantará que mesmo um pequeno burocrata venha, um dia, a se considerar mais sábio e melhor que os demais cidadãos, e deseje interferir em tudo, ainda que ele não passe de um reles burocratazinho, em nada comparável ao famoso professor Werner Sombart, membro honorário de tudo quanto é entidade. Haveria um remédio contra tudo isso? Eu diria que sim. Há um remédio. E esse remédio é a força dos cidadãos: cabe-lhes impedir a implantação de um regime tão autoritário que se arrogue uma sabedoria superior à do cidadão comum. Esta é a diferença fundamental entre a liberdade e a servidão. 

Conclusão.

Com base em sua teoria do ciclo econômico, Mises previra uma depressão numa época em que, na “nova Era” da década de 1920, os economistas, em sua maioria, entre eles irving Fisher, proclamavam um futuro de prosperidade ilimitada, assegurada pelas manipulações dos bancos centrais governamentais. Quando a Grande Depressão se instalou, começou-se a manifestar vivo interesse pela teoria misesiana do ciclo econômico, sobretudo na inglaterra. Esse interesse foi incrementado pela migração para a London School of Economics do eminente discípulo de Mises, Friedrich a. Hayek, cujo aperfeiçoamento da teoria do ciclo econômico foi rapidamente traduzido para o inglês no princípio da década de 1930. Até Keynes, a ciência econômica constituíra um freio impopular ao fomento da inflação e ao déficit orçamentário, mas agora, como Keynes, e armados com seu jargão nebuloso, obscuro e quase matemático, os economistas podiam atirar-se a uma popular e lucrativa aliança com políticos e governos ansioso por expandir sua influência e poder. A economia keynesiana foi esplendidamente talhada para servir de armadura intelectual para o moderno estado provedor-militarista (welfare-warfare state), para o intervencionismo e o estatismo, em ampla e poderosa escala. No entanto, na cidade de nova Y ork, mesmo vivendo de pequenas subvenções concedidas por fundações, Mises conseguiu publicar, em 1944, dois notáveis livros escritos em inglês: Omnipotent Government e Bureaucracy. O primeiro mostrava que o regime nazista não era, como o pretendia a análise marxista da moda, a “etapa mais elevada do capitalismo”, sendo, antes, uma forma de socialismo totalitário. Bureaucracy apresentou uma análise, de vital importância, da diferença decisiva entre a administração para o lucro e a administração burocrática, demonstrando que as graves ineficiências da burocracia eram, além de inerentes a qualquer atividade governamental, inevitáveis. Quando, há trinta e cinco anos atrás, procurei elaborar uma síntese das ideias e princípios da filosofia social a que outrora chamavam liberalismo, não alimentava vã esperança de que minha exposição evitaria a iminente catástrofe a que as políticas adotadas pelas nações europeias manifestamente conduziam. Tudo o que esperava era oferecer à pequena minoria das pessoas que pensam uma oportunidade de aprender alguma coisa sobre os objetivos do liberalismo clássico e sobre suas realizações, preparando, assim, o caminho para uma ressurreição do espírito de liberdade depois da derrocada que se aproxima. Misse, Ludwing.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Escola Austríaca de Economia – Menger; Bohm-Bawerk; Mises.

"A economia é ação humana ao longo do tempo, nos mercados, sob condições de incerteza genuina"

“Ao físico, pouco importa se alguém estigmatiza suas teorias como burguesas, ocidentais ou judias; da mesma maneira, o economista deveria ignorar a calúnia e a difamação. Deveria deixar os leigos assim rotularem e não prestar atenção ao que falam.

Por volta da segunda metade do século XiX, tornou-se claro que a “economia clássica”, que atingira seu ápice na Inglaterra, nas pessoas de David Ricardo e John stuart Mill, colaboraram lamentavelmente em meio a uma série de falhas fundamentais. A falha crucial fora a tentativa de analisar a economia com base em “classes” e não em ações de indivíduos; por isso, os economistas clássicos além de não conseguirem explicar corretamente as forças subjacentes que determinam os valores e os preços relativos dos bens e serviços, tampouco foram capazes de analisar as ações dos consumidores, determinantes decisivos das atividades dos produtores na economia. Voltados para “classes” de bens, nunca puderam resolver, por exemplo, o “paradoxo do valor”: o pão, apesar de ser extremamente útil, constituindo, mesmo, o “sustento da vida”, tem baixo valor no mercado, enquanto os diamantes, mero luxo, e, portanto, simples futilidade do ponto de vista da sobrevivência humana, são valorizadíssimos. Por que o pão, obviamente mais útil que os diamantes, é cotado no mercado a preço tão inferior ao destes?

Tendo desistido de explicar esse paradoxo, os economistas clássicos chegaram, infelizmente, a uma conclusão: como os valores eram fundamentalmente divididos, o pão, embora tivesse um “valor de uso” superior ao dos diamantes, tinha, por alguma razão, um menor “valor de troca”. Foi com base nessa divisão que gerações posteriores de autores denunciaram que a economia de mercado ensejava uma calamitosa canalização de recursos para a “produção para lucro”, em detrimento da “produção para uso”, muito mais benéfica.

Incapazes de analisar as ações dos consumidores, os economistas clássicos tampouco conseguiram explicar satisfatoriamente o que determinava os preços no mercado. Procurando, às cegas, uma solução, concluíram, lamentavelmente: (a) que o valor era algo inerente às mercadorias; (b) que o mesmo só podia ter sido conferido a esses bens pelos processos de produção; e (c) que sua fonte básica era o “custo” de produção, ou mesmo a quantidade de horas de trabalho nela despendidas. Observe que ainda assim essas premissas não concluía sastisfatoriamente porque o preço do pão era tão disparadamente menor em relação a um diamante. Foi essa análise ricardiana que, mais tarde, permitiu que Karl Marx concluísse com perfeita lógica que, se todo valor é produto da quantidade de horas de trabalho, então todo juro e todo lucro obtidos por capitalistas e empregadores se constituem, necessariamente, em “mais-valia”, injustamente extorquida dos ganhos a que faz jus a classe trabalhadora.

Tendo, assim, caucionado o marxismo, os ricardianos tentaram replicar que os bens de capital eram produtivos, sendo, por isso, razoável que auferissem sua cota na forma de lucros; os marxistas retrucaram, então, com razão, que o capital também é trabalho “embutido”, ou “incorporado”, e que, por conseguinte, nos salários deveria estar absorvido todo o rendimento da produção.

Assim, considerando classes em vez de indivíduos, os economistas clássicos não só tiveram de abandonar qualquer análise do consumo, perdendo-se na análise do valor e do preço, como também não conseguiram sequer aproximar-se de uma explicação sobre a determinação do preço dos fatores individuais de produção, quais sejam, unidades específicas de trabalho, terra ou bens de capital. Na segunda metade do século XiX, as deficiências e falácias da economia ricardiana tornaram-se cada vez mais patentes. a própria ciência econômica chegara a um beco sem saída.

Solução – Menger; Bohm-Bawerk.(Escola Austríaca)
A concepção e a solução de longe mais notáveis foram de Carl Menger, professor de economia na Universidade de Viena. Foi ele o fundador da “Escola austríaca”. Seu trabalho pioneiro alcançou plena realização na grande obra sistemática de seu brilhante aluno sucessor na Universidade de viena, Eugen von Böhm-Bawerk.

Foi a monumental obra de Böhm-Bawerk, elaborada em grande parte durante a década de 1880, que, culminando nos vários volumes do livro Capital and Interest, constituiu o produto maduro da Escola austríaca. Outros eminentes e criativos economistas contribuíram para essa mesma escola nas duas últimas décadas do século XiX, mas Böhm-Bawerk sobrepujou todos eles.

Os austríacos centravam indefectivelmente sua análise no indivíduo, no agente, na medida em que este faz escolhas no mundo real com base em suas preferências e valores. Tendo partido do indivíduo, puderam fundamentar sua análise da atividade econômica e da produção nos valores e desejos dos consumidores individuais. Cada consumidor agiria segundo sua própria escala de preferências e de valores. Esses valores interagiriam e se combinariam para formar as demandas do consumidor, que são a base e o guia da atividade produtiva.

Como a filosofia empirista legitima isso? seque se a seguinte pergunta; Como é que se forma a representação ou a conceituação das coisas? Conhecemos as coisas tão somente por aquilo que elas significam no plano da consciência, de maneira que o conhecimento se resolve sempre em uma explicação de ordem psicológica; Consiste em dizer que a realidade é cognoscível se e enquanto se projeta no plano da consciência, revelando-se como momento ou conteúdo de nossa vida interior. O que se conhece não são coisas, mas imagens de coisas. O homem não conhece as coisas, mas a representação que a nossa consciência forma em razão delas. Essa é a orientação do idealismo subjetivo, que apresenta seus maiores representantes na cultura britânica, desde Locke e Berkeley a David Hume. Dado isso entra se aqui a analise do valor. Valorar não é avaliar. Valorar é ver as coisas sob prisma de valor. Quando se compra um quadro, não se valora mas se avalia. Em tal caso, compara-se um objeto com outros. Valorar, ao contrário, pode ser a mera contemplação de algo, sem cotejos ou confrontos, em sua singularidade sob prisma de valor. O crítico de arte valora um quadro ou uma estátua, porque os compreende sob prisma valorativo, em seu "sentido" ou "significado". O negociante de arte "avalia" o quadro, depois de valorá-lo. Valorar e avaliar são, portanto, palavras de sentidos distintos, embora complementares. Vale Ressalta que o valor é uma condicionante estritamente subjetiva, conforme sua experiência se dar na mente no sentido de “ser é ser percebido” e conforme avalia-se essas mesma experiências “ser é ser pensado”. Assim conforme suas experiências são negativas ou positivas dado um determinado fato, então o valor atribuído a esse fato, se positivo será bom, se negativo, será ruim.  

Ao fundamentar sua análise no indivíduo que enfrenta o mundo real, os “austríacos” perceberam que a atividade produtiva se baseava em expectativas de satisfazer as demandas dos consumidores.

Por conseguinte, perceberam claramente que nenhuma atividade produtiva, fosse da mão-de-obra, fosse de quaisquer outros fatores produtivos, poderia conferir valor a bens ou serviços. O valor consistia em avaliações subjetivas de consumidores individuais. Em outras palavras: eu poderia gastar trinta anos de trabalho e de outros recursos na fabricação de um triciclo-gigante movido a vapor, contudo, se ao oferecer esse produto, eu não encontrasse consumidores dispostos a comprá-lo, teria que admitir que ele era economicamente desprovido de valor, apesar de todo esforço, aliás mal orientado, que empenhara na fabricação. O valor, assim, só poderia ser determinado pelas avaliações dos consumidores, e os preços relativos dos bens e serviços são determinados pela avaliação que os consumidores fazem destes produtos e pela intensidade de seu desejo de adquiri-los. Em suma, forma de como produzir é insigficante, logo o que vale é o desejo de comprar que dar valor a um produto, logo o que faz funcionar o capitalismo é o poder de comprar dos consumidores individuais.

Lei da utilidade marginal decrescente
Os “austríacos” mostraram que, quanto maior a quantidade ou quanto maior o número de unidades de um bem que uma pessoa possui, menor é o valor que esta pessoa atribui a cada unidade deste bem.Aqui então temos uma das variáveis mais relevantes em relação aos valores atribuído por cada homem. A exemplo; o homem que anda sedento pelo deserto atribuirá um valor ou “utilidade” extremamente elevado a um copo d'água, enquanto que, em viena ou em nova York, com água em abundância à sua volta, este mesmo homem atribuirá reduzidíssimo valor ou “utilidade” a esse copo d'água. No deserto, ele pagaria por este copo um preço muitíssimo mais alto do que o que pagaria em nova York. Em suma, o indivíduo em ação se depara com unidades específicas, ou “margens”, que a descoberta “austríaca” foi denominada “lei da utilidade marginal decrescente”.

Assim, o “pão” é tão mais barato que o “diamante” por uma simples razão: o número de pães disponíveis é imensamente superior ao de quilates de diamantes. Em consequência, o valor e o preço de cada pão serão muito inferiores ao valor e ao preço de cada quilate. Ao contrario dos que diziam os ricardianos, não há contradição entre “valor de uso” e “valor de troca”: em função da abundância de pães disponíveis, um pão é menos “útil” para o indivíduo que um quilate de diamante, em suma não importa, quanto ao valor de troca, somente o uso que uma pessoa fará de um determinado produto, mas sim a sua utilidade que esta estritamente relacionada com a quantidade de produtos disponíveis no mercado. Em resumo a utilidade marginal decrescente.

A mesma concentração nas ações dos indivíduos e, portanto, na “análise marginal” solucionou também o problema da “distribuição” da renda no mercado. Os “austríacos” demonstraram que cada unidade de um fator de produção, seja de diferentes tipos de trabalho, de terra, ou de bem de capital é cotada no mercado livre segundo sua “produtividade marginal”, em outras palavras, com base em sua contribuição efetiva do trabalhador para o valor do produto final comprado pelos consumidores. Quanto mais alta for a “oferta”, ou seja, a quantidade de unidades de um dado fator, menor tende a ser sua produtividade marginal e, consequentemente, seu preço; quanto mais baixa for a sua oferta, mais elevado tenderá a ser seu preço.

Assim, os “austríacos” mostraram que não havia nenhum conflito ou luta de classe arbitrária e irracional entre as diferentes classes de fatores; ao contrário, cada tipo de fator contribui harmoniosamente para o produto final, destinado a satisfazer os mais intensos desejos dos consumidores com a máxima eficiência (i.e., com o menor dispêndio de recursos). No tocante, quanto maior a oferta de trabalho a um determinado serviço, menor o preço oferecido por ela. No entanto a taxa de produtividade marginal vale para todos os fatores (fator) de produção quanto ao seu resultado produtivo; trabalho, terra, capital.

Cada unidade de cada fator ganha, então, seu produto marginal, sua própria contribuição para o resultado produtivo. De fato, se houvesse um conflito de interesses não seria entre tipos de fatores – terra, trabalho, capital –, já que os mesmo trabalham em conjunto, mas sim, seria entre fornecedores concorrentes do mesmo fator. Se, por exemplo, alguém descobrisse uma nova jazida de cobre, o aumento da oferta provocaria a queda do preço do metal; isto só poderia trazer proveito e maiores ganhos aos consumidores e aos fatores cooperantes do trabalho e do capital. Sairiam perdendo apenas os proprietários de minas já estabelecidos, que veriam a queda do preço de seu produto.

Cabe dizer aqui, também, que há uma concorrência entre os fatores do mesmo tipo; trabalho x trabalho, terra x terra,  capital x capital. Porque quanto mais tivemos de um, há um prejuízo, um desvalor ao seu próprio fator, essa talvez possa ser uma falha de mercado, o que futuramente poderá ocorrer que quanto mais trabalhadores menores será o preço oferecido pelos serviços deles. Obviamente que não pode ignorar aqui que há vários tipos de trabalhadores especializados, onde não afetam, necessariamente, a todos os trabalhadores mas somente a sua área especifica em relação a demanda.  

Assim, os “austríacos” mostraram que não há, no mercado livre, qualquer separação entre “produção” e “distribuição”. Mas sim que elas trabalham conjuntamente.  As avaliações e as demandas dos consumidores determinam os preços finais dos bens de consumo – os bens comprados pelos consumidores –, que, por sua vez, orientam a atividade produtiva e determinam sucessivamente os preços das unidades cooperantes de fatores: níveis individuais de salários, aluguéis e preços de bens de capital.

A “distribuição de renda” seria simples decorrência do preço de cada fator. Sendo esse apenas um fato, ou seja, se o “fator trabalho” estiver com uma demanda alta, logo a distribuição de renda será baixa individualmente.

Lucros
E quanto aos lucros e à questão do “trabalho incorporado”? Fundamentando-se, mais uma vez, na análise de indivíduo, Böhm-Bawerk verificou que, segundo uma lei básica da ação humana, todos querem realizar seus desejos, alcançar suas metas, tão rapidamente quanto possível. Por isso, todos preferirão ter bens e serviços de imediato a esperar algum tempo por eles. É em razão desse fato básico primordial da “preferência temporal” que os empresários não investem toda a sua renda em bens de capital, de modo a aumentar a quantidade de bens que será produzida no futuro. Estarão primeiramente interessadas em consumir bens no momento. Mas, cada pessoa, em diferentes condições e culturas, tem uma taxa diferente de preferência temporal, ou seja, de preferir ter os bens no momento a tê-los mais tarde. Quanto mais elevada for sua taxa de preferência temporal, maior, será a parte de sua renda que consumirá no momento; quanto mais baixa for esta taxa, mais economizará e investirá na produção futura. É exclusivamente o fato da preferência temporal que dá origem ao juro e ao lucro. Por sua vez, o grau e a intensidade das preferências temporais determinam os níveis das taxas de juros e de lucros.

Tomemos, por exemplo, a taxa de juros sobre um empréstimo. Os filósofos escolásticos da igreja católica, na idade Média e no início do período moderno, foram, a seu modo, excelentes economistas e analistas do mercado. no entanto, um ponto que jamais conseguiram explicar ou justificar foi a simples cobrança de juros por um empréstimo. Podiam compreender que se auferissem lucros por investimentos arriscados, mas tinham aprendido de Aristóteles que o dinheiro em si mesmo era estéril e improdutivo. assim sendo, como justificar o juro sobre um empréstimo, presumindo-se não haver risco de inadimplência? Incapazes de encontrar a resposta, a igreja e os escolásticos provocaram o descrédito dos homens do mundo ao condenar como “usura” pecaminosa todo juro sobre empréstimo.

Foi Böhm-Bawerk quem finalmente encontrou a resposta, justamente com o conceito de preferência temporal. Assim, quando um credor empresta 100 dólares a um devedor em troca do recebimento de 106 dólares dali a um ano, os dois não trocam as mesmas coisas. O credor dá 100 dólares ao devedor na forma de um “bem atual”, de dinheiro, que este pode usar a qualquer momento no presente. O devedor, por sua vez, dá em troca ao credor não dinheiro, mas uma nota promissória, uma promessa de dinheiro vindouro. Em suma, o credor dá ao devedor um “bem atual”, e recebe dele apenas um “bem futuro”, em dinheiro que só poderá utilizar após um ano de espera. Ora, em virtude do fato universal da preferência temporal, os bens atuais são mais valiosos que os bens futuros, e o credor terá de cobrar ao mesmo tempo que o devedor se disporá a pagar um prêmio pelo bem atual. Esse prêmio é a taxa de juros. seu valor dependerá das taxas de preferência temporal de todos os participantes do mercado.

Isto não é tudo: Böhm-Bawerk foi adiante, mostrando como é a preferência temporal que, da mesma forma, determina a taxa de lucro empresarial. Ou melhor, mostrou que a taxa “normal” de lucro empresarial é na verdade a taxa de juros. Isto porque, quando se emprega mão-de-obra e terra no processo de produção, surge um fator decisivo: ao contrário do que aconteceria na ausência de empregadores capitalistas, os trabalhadores e agricultores não precisam esperar por seu dinheiro até que o produto seja produzido e vendido aos consumidores. Se não houvesse empregadores capitalistas, eles teriam de mourejar por meses e anos sem paga, até que o produto final – o automóvel, o pão, a máquina de lavar – fosse vendido aos consumidores. Mas os capitalistas prestam o importante serviço de poupar antecipadamente parte de sua renda, remunerando trabalhadores e agricultores agora, enquanto trabalham. Prestam assim o serviço de esperar até que o produto final seja vendido aos consumidores para, então, receber seu dinheiro. É em função desse serviço vital que trabalhadores e agricultores estão mais do que dispostos a “pagar” aos capitalistas seu lucro ou juros. Em suma, os capitalistas encontram-se na posição de “credores” que poupam e desembolsam dinheiro atual e aguardam seu eventual retorno. Trabalhadores e agricultores são, num certo sentido, “devedores” cujos serviços só darão frutos no futuro, após determinado prazo. Também neste caso, a taxa normal do lucro empresarial será determinada pelo nível das várias taxas de preferência temporal.

Böhm-Bawerk formulou isto ainda de outra maneira: os bens de capital não são simplesmente “trabalho incorporado”; são também tempo (e terra) “incorporado”. E é no elemento decisivo do tempo e da preferência temporal que a explicação do lucro e do juro pode ser encontrada. além disso, ele fez avançar enormemente a análise econômica do capital, uma vez que, em oposição não só aos ricardianos mas à maioria dos economistas de nossos dias, percebeu que o “capital” não é simplesmente um bolo homogêneo, ou uma dada quantidade. O capital é uma estrutura, uma intricada rede, que possui uma dimensão temporal. O crescimento econômico e a maior produtividade, por sua vez, não resultam simplesmente de acréscimos à quantidade de capital, mas de acréscimos à sua estrutura temporal para a construção de “processos de produção cada vez mais longos”. Quanto mais baixas forem suas taxas de preferência temporal, mais as pessoas se disporão a sacrificar o consumo no momento para poupar e investir nesses processos mais demorados que proporcionarão, em alguma época do futuro, um retorno significativamente maior de bens de consumo[1].

[1] Como desconstruir tal premissa, onde a prestação de serviço deveria ser determinada, na verdade, sob a base de dignidade da pessoa humana, e não simplesmente em mera veda de trabalho a respeito de preferência temporal.  Segundo como legitimar, em suma, que a força coercitiva estatal, tem a obrigação de forçar os empresários a aumentarem sua taxa de preferência temporal em razão de uma economia mais estável, com uma distribuição de renda mais equilibrada até alcançar um padrão médio digno. Poderíamos dizer que o estado esta forçando as empresas a trabalharem mais ao ponto delas autossustentarem a sociedade? Ou seja cumprir o seu papel social e só depois o seu papel individual?

A moeda pra Ludwing Von Mises.
A “microeconomia” fundamenta-se, pelo menos a grosso modo, nas ações dos consumidores e produtores individuais; mas quando os economistas passam à análise da moeda, vemo-nos subitamente lançados nos agregados totais: de moeda, de “níveis de preço”, de “produto nacional” e de gastos públicos. sem uma base concreta na ação individual. Assim no intender de Ludwing Von Misses a “macroeconomia” salta de um conjunto de falácias para outro, sem qualquer base concreta diretamente na microeconomia, quase sempre partindo de princípios estatais sem nenhum respaldo mediatamente com as empresas.

Ludwig von Mises se dispôs a eliminar essa dissociação e a fundamentar a economia da moeda e de seu poder de compra na análise austríaca do indivíduo e da economia de mercado: pretendia chegar a uma ciência econômica ampla e integrada, capaz de explicar todas as partes do sistema econômico. Mises realizou essa monumental tarefa em sua primeira grande obra: The Theory of Money and Credit (1912). Finalmente a ciência econômica tornava-se um todo, um corpo integrado de análise, fundado na ação individual; assim não mais precisaria haver qualquer dissociação entre moeda e preços relativos, entre micro e macro.

A mecanicista concepção de Fisher de relações automáticas entre a quantidade de moeda e o nível de preço, de “velocidades de circulação” e “equações de troca” foi explicitamente demolida por Mises em nome de uma aplicação integrada da teoria da utilidade marginal à oferta e à demanda da própria moeda.

Especificamente, Mises mostrou que, se o preço de qualquer outro bem é determinado por sua quantidade disponível e pela intensidade com que os consumidores o demandam com base na utilidade marginal deste bem para eles, também o “preço” ou poder de compra da unidade monetária é determinado no mercado de maneira idêntica.

Mises, embora aceitasse a “teoria da quantidade” clássica, segundo a qual um aumento da oferta de dólares ou de onças de ouro acarretará uma queda de seu valor ou “preço” (i.e., uma elevação dos preços dos demais bens e serviços), burilou consideravelmente essa tosca abordagem e integrou-a à análise econômica geral. Entre outras coisas, mostrou que esse movimento dificilmente seria proporcional: um aumento da oferta de moeda tenderá a rebaixar seu valor, mas a intensidade e até mesmo a simples ocorrência deste efeito dependem do que acontece à utilidade marginal da moeda e, por conseguinte, dependem da demanda de dinheiro por parte da população para conservar seus saldos em caixa. Em suma depende do montante que a sociedade precisa pra guardar seu dinheiro, estoque.  

Além disso, Mises mostrou que a “quantidade de moeda” não aumenta como um todo indiferenciado: o aumento é injetado num ponto do sistema econômico e os preços só subirão à medida que o novo dinheiro se dissemina, em círculos cada vez mais amplos, pela economia.

Mises conseguiu também demonstrar que um dos primeiros achados de Ricardo e de seus primeiros discípulos, por muito tempo esquecido, era absolutamente correto: afora os usos industriais e de consumo do ouro (dado que inicialmente as moedas eram de ouro), um aumento da oferta de moeda não proporciona benefício social de espécie alguma, isto porque, ao contrário do que acontece com fatores de produção como a terra, o trabalho e o capital, cujo aumento ocasionaria uma maior produção e uma elevação do padrão de vida, um aumento da oferta de moeda pode apenas reduzir seu próprio poder de compra, sem que aumente a produção. Se todos tivessem o dinheiro que possuem no bolso ou na conta bancária magicamente triplicado do dia para a noite, a sociedade nada ganharia com isso. 

Mises mostrou, contudo, que o grande atrativo da “inflação” (um aumento da quantidade de moeda) é precisamente que nem todos se apossam do novo dinheiro ao mesmo tempo e no mesmo grau; ao contrário, o governo, seus fornecedores favoritos e os beneficiários de seus subsídios são os primeiros a receber o novo dinheiro. Estes têm sua renda acrescida antes que muitos preços subam, ao passo que os desafortunados membros da sociedade, que recebem o novo dinheiro por último ou que, na condição de pensionistas, não o recebem de maneira alguma, saem perdendo, porque os preços dos artigos que compram sobem antes que recebam um maior rendimento. Em suma, o atrativo da inflação está em permitir que o governo e outros grupos na economia se beneficiem, silenciosa e efetivamente, às custas de grupos da população desprovidos de poder político.

A inflação – a expansão da oferta de moeda – assim é, conforme Mises o demonstrou, um processo de tributação e de redistribuição de riqueza indevidamente. Numa economia de mercado livre em desenvolvimento, não tolhida por aumentos da oferta de moeda induzidos pelo governo, os preços tenderão geralmente a cair à medida que a oferta de bens e serviços se expande. Já que a moeda não seria assim demandada a todo o tempo sem nenhuma previsão aceitável ou um ponto de partida. E, na verdade, baixas de preços e de custos constituíram o traço distintivo da expansão industrial ao longo de quase todo o século XiX.

Misses ao aplicar a utilidade marginal à moeda, teve de superar o problema que os economistas em sua maioria consideravam insolúvel: o chamado “círculo austríaco”. Os economistas compreendiam que os preços dos ovos, dos cavalos ou do pão podiam ser determinados pela utilidade marginal de cada um desses itens. No entanto, à diferença desses bens para o dinheiro é que os primeiros são demandado para serem consumidos, já o dinheiro é demandado e conservador em saldos de caixa para ser despendido em bens. Assim, pois, ninguém pode demandar dinheiro (e ter uma utilidade marginal para ele) a menos que o mesmo já exista, determinando um preço e um poder de compra no mercado. Mas, nesse caso, como explicar satisfatoriamente o preço do dinheiro com base em sua utilidade marginal, se ele precisa ter um preço preexistente para ser demandado?

Com seu “teorema da regressão” Mises superou o “círculo austríaco”, numa de suas mais importantes realizações teóricas: mostrou que, de maneira lógica, pode-se fazer retroceder esse componente temporal da demanda de dinheiro até aquele dia remoto em que a mercadoria-moeda não era dinheiro, sendo antes, por direito próprio, uma mercadoria útil de escambo: em suma, pode-se fazê-lo retroceder até o dia em que a mercadoria-moeda (p. ex., ouro ou prata) era demandada exclusivamente por suas qualidades enquanto mercadoria consumível e diretamente utilizável. Sua descoberta teve outras importantes implicações: mostrou que a moeda só poderia ter uma forma de origem: no mercado livre e a partir da demanda direta, nesse mercado, de uma mercadoria útil. E isso significa que a moeda não podia se ter originado nem por um decreto governamental que convertesse algo em moeda, nem por alguma espécie de contrato social único: ela só poderia ter-se desenvolvido a partir de uma mercadoria útil e valiosa para todos.

Carl Menger já demonstrara antes que a moeda provavelmente surgira desse modo, mas foi Mises quem provou que a moeda só poderia ter surgido no mercado. Mas isso tinha ainda outras implicações: significava, em oposição às concepções da maioria dos economistas de então e de hoje, que a “moeda” não é simplesmente unidades ou pedaços de papel arbitrário tal como definidos pelo governo: “dólares”, “libras”, “francos” etc. Ela originou-se necessariamente como mercadoria útil: como ouro, prata, ou qualquer outra coisa. A unidade monetária original, a unidade de cálculo e de câmbio, não foi o “franco” ou o “marco”, mas a grama de ouro ou a onça de prata. A unidade monetária é, essencialmente, uma unidade de peso de determinada mercadoria com um valor específico produzido no mercado. Não é de espantar, de fato, que todos os nomes hoje dados ao dinheiro – dólar, libra, franco e assim por diante – tenham sido antes designações de unidades de peso do ouro ou da prata. Mesmo no caos monetário de nossos dias, as leis dos EUA continuam a definir o dólar como uma trigésima - quinta parte (atualmente uma quadragésima - segunda) de uma onça de ouro.

Essa análise, combinada à demonstração feita por Mises dos implacáveis males sociais que decorrem do aumento da oferta, por parte do governo, de “dólares” e de “francos” arbitrariamente produzidos, indica o caminho da total separação entre governo e sistema monetário. Isto porque significa que a essência da moeda é um peso de ouro ou prata, sendo perfeitamente possível retornar a um mundo em que esses pesos voltariam a ser a unidade de cálculo e o meio das trocas monetárias. Um padrão-ouro, longe de representar um fetiche bárbaro ou mais um artifício do governo, é considerado capaz de fornecer uma moeda produzida exclusivamente no mercado e não sujeita às tendências redistributivas e inflacionárias próprias do governo coercitivo.

Estes, no entanto, estão longe de ser os únicos grandes feitos da monumental obra de Mises, The Theory of Money and Credit. Ele revela, também, o papel das transações bancárias na oferta de moeda, mostrando que a atividade bancária livre, isenta do controle e do comando do governo, não redundaria em expansão desenfreadamente inflacionária da moeda – os bancos é que seriam compelidos, por demandas de pagamento, a uma política segura e não inflacionária de “moeda forte”.
 
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